sexta-feira, janeiro 21, 2011

Daniel Oliveira

Os amigos de Aníbal

Quando, nesta campanha, foi confrontado pela primeira vez com o 'caso BPN', Cavaco Silva fez uma analogia com a família. São como filhos. Saem de casa não podemos responder pelo que fazem vinte e tal anos depois. Sabemos agora que as coisas não são bem assim. O ex-secretário de Estado de Cavaco, e várias vezes seu homem de confiança política, Oliveira Costa, ofereceu a Cavaco Silva ações a preço de saldo. Ações que, nem dois anos passados, viriam a render a si e à sua filha, agora ao preço de mercado, um lucro pouco habitual.



Também no período de pousio político, Cavaco Silva conseguiu um terreno, onde agora tem uma propriedade, através de uma permuta com um construtor civil. Não se sabe com quem nem a que preço. A matriz da propriedade que é referida no Tribunal Constitucional não foi encontrada nos registos notariais. Sabe-se que o negócio foi feito por um ex-adjunto seu e que no pequeno aldeamento, financiado pelo BPN e onde quase tudo tem estranhos contornos, Cavaco tem como vizinhos Oliveira Costa e Fernando Fantasia. Dois homens-fortes da SLN. Um garantiu o lucro das ações de Cavaco. O outro tratou de um bom negócio para si mesmo com terrenos em Alcochete, usando informação privilegiada.


Cavaco Silva nomeou Dias Loureiro para o Conselho de Estado - nomeação que não podia deixar de incomodar qualquer pessoa minimamente informada - e mesmo depois do escândalo rebentar foi-lhe pondo a mão por baixo. Lealdade com os amigos, dir-se-ia. Mas sabemos que as lealdades de Cavaco sempre acabaram e começaram em si próprio. Fernando Nogueira que o diga. A verdade é que Dias Loureiro sempre foi o centro da rede de contactos do cavaquismo. Deixá-lo cair poderia expor o Cavaco Silva que se esconde atrás do professor de Economia, aprendiz da imagem austera de Salazar.


Não pode ser coincidência que tantos filhos do cavaquismo tenham ido parar ao BPN e que Cavaco tenha mantido, quer com eles quer com o banco que eles dirigiam, relações tão próximas. Muitos deles estão na sua vida política recente - na comissão de honra da sua candidatura e no financiamento da campanha anterior - e nos seus negócios privados. Na realidade, os filhos que Cavaco enjeita quando se fala do BPN nunca saíram de casa. Construíram um banco que se mostrou ruinoso para o país com base nas redes clientelares do cavaquismo. E, tudo começa a indicar, devolveram o favor ao padrinho de tão frutuosas amizades.


Sobre o 'caso BPN', disse Cavaco Silva: para alguém ser mais honesto do que eu teria de nascer duas vezes. Esta é a diferença entre José Sócrates e Cavaco Silva. Um viveu embrenhado em muitas histórias mal contadas, tem demasiados amigos pouco recomendáveis e deixou crescer à sua volta uma rede de chicos-espertos que delapidou o país. A todas as revelações sobre o seu passado responde com uma 'campanha negra'. E parece um fura-vidas. Outro viveu embrenhado em muitas histórias mal contadas, tem demasiados amigos pouco recomendáveis e deixou crescer à sua volta uma rede de chicos-espertos que delapidou o país. A todas as revelações sobre o seu passado responde com uma 'campanha suja'. Mas parece um homem honesto. Entre o pato bravo e o sonso não sei qual me incomoda mais. Mas sei uma coisa: não consta que todos os portugueses que nunca lucraram com favores de bandidos tenham experimentado o milagre da reincarnação.


Daniel Oliveira


Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011









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