quarta-feira, novembro 26, 2014

O HOMEM A ABATER

José Sócrates é o homem a abater pela direita e pela extrema-esquerda portuguesas desde que se candidatou às legislativas de 2005, isto é, ainda antes de conquistar a primeira maioria absoluta de um partido da esquerda, vitória que só agravou a sanha. De 2005 a 2008 já as ratazanas todas se atiravam ao homem, na tentativa de o emporcalhar ou, até – ainda não havia crise – de o apontar como a mais séria ameaça à liberdade em Portugal (sic).
Seguiu-se, a partir de 2009, a maior campanha político-mediática de ataque ad hominem de que há memória no país. Está ainda na memória de todos. Sócrates foi por fim afastado do poder em 2011 pela coligação negativa da direita e da extrema-esquerda, mas a sanha persecutória não diminuiu um milímetro. Tinha-se investido muito na campanha de ódio, mentiras e insinuações e os resultados pareciam encorajadores. A direita voltara ao poder, graças a Deus! Havia que continuar a explorar o filão até ao osso – até porque não havia mais nada para dizer ao país. O espantalho Sócrates, laboriosamente fabricado, tinha que ser agitado sem cessar, para a direita se aguentar até às próximas eleições e poder ganhá-las outra vez – e para a extrema-esquerda continuar a alimentar o sonho necrófilo de se apoderar dos despojos do Partido Socialista.
Mais recentemente, Sócrates apareceu na RTP a comentar a política portuguesa – e a ter que se defender permanentemente dos remoques dos entrevistadores de serviço, pois não se chama Rebelo de Sousa nem Marques Mendes. Como já não existe polícia política (só há polícias políticos) nem a abençoada Direcção dos Serviços de Censura, fizeram-se petições públicas para tapar a boca ao homem. Muitos milhares de censores frustrados subscreveram-nas, mas sem resultado. Era preciso mudar de táctica. O ideal era mesmo meter Sócrates na prisão. Colunistas histéricos e histéricas começaram a falar de um Sócrates “delinquente” que era vital engaiolar. Meses depois, uma revista malcheirosa publicou uma reportagem falsa, ilustrada com um retrato de Sócrates de página inteira, atravessado por uma inscrição em letras garrafais: APANHADO. Foi um orgasmo precoce dos neo-fascistas, que tomaram os seus desejos por realidades. Teve que vir a público a PGR – de onde só pode ter partido a fuga de desinformação – para desmentir formalmente as tretas. Entretanto continuavam activamente, pela calada, os preparativos para o ataque final, que se deu ontem. As tretas são parecidas, só que agora há que prová-las, o que é uma grande chatice. Mas mesmo que nada se prove, as repercussões mediáticas disto tudo vão render até ao abrir das urnas em 2015.
Nem Ricardo Salgado foi tratado pela organização judicial como Sócrates está a ser. A detenção no aeroporto para ser interrogado no dia seguinte, com estadia obrigatória na prisão, obedeceu a uma intenção clara de achincalhamento e aviltação do ex-dirigente socialista, a que não faltou a reportagem vídeo agendada com os ratos do costume. Como é óbvio, a notícia tinha que ser “Sócrates detido” e não “Sócrates interrogado”. Porque interrogados há muitos, mas um detido já é meio culpado

Sem comentários: