segunda-feira, outubro 12, 2015

Para mais tarde recordar

Catarina Falcão
Há 30 anos, Cavaco Silva foi eleito primeiro-ministro de um Governo minoritário, o último que a direita liderou. O que é que distingue esse Governo do que Passos pode estar prestes a liderar? Tudo. 


“Após as eleições de 6 de outubro, concluí que iria chefiar um Governo minoritário do PSD e não um Governo de coligação, com apoio minoritário”. Bastaram poucos dias de análise dos resultados das eleições de 1985 para Cavaco Silva perceber que tinha pela frente um Governo minoritário e, sem procurar qualquer consenso, assumiu o cargo de primeiro-ministro. Agora, passados 30 anos, Cavaco Silva pede a Pedro Passos Coelho “uma solução governativa que assegure a estabilidade política” do país. À superfície os casos parecem parecidos. Uma minoria de direita que se depara com cenários políticos improváveis que tem de garantir a imagem externa de estabilidade do país e tem no horizonte umas eleições presidenciais. Mas é mesmo assim?
Para Miguel Cadilhe, ministro das Finanças do Governo minoritário de Cavaco – o único Governo de maioria relativa de direita, os dados de partida dos dois líderes, apesar de aparentes semelhanças, são muito diferentes. “Naquela altura estávamos a entrar na CEE. Não havia euro e tínhamos mais ferramentas de política económica para usar. Também não tínhamos o quadro disciplinador que hoje existe. Havia mais liberdade e mais tempo”, afirma o antigo ministro ao Observador. Na sua “Autobiografia Política”, Cavaco Silva afirma ter escolhido Cadilhe para as Finanças “pela sua indiscutível competência técnica e grande firmeza e criatividade”, embora soubesse que tinha “um feitio um pouco difícil”. Depois da anterior experiência de coligação de Bloco Central que tinha chegado abruptamente ao fim, havia o entendimento que um Governo de coligação “tem sempre dificuldade em negociar e marcar a sua diferença”, afirma Cadilhe.
Se por um lado havia um clima económico completamente diferente, sem o enquadramento e as exigências de uma moeda única, as condições políticas dos dois líderes do PSD também divergem. Desde logo, Cavaco era um primeiro-ministro estreante e um homem que se apresentava como um estranho às lides políticas, apesar de já ter integrado um Governo como ministro e ter sido eleito como deputado. Vinha de uma vitória retumbante uns meses antes no congresso da Figueira da Foz e na campanha recebia “abraços e beijos, alguns de um entusiasmo violento”, como lembra nas suas memórias. Nada podia ser mais diferente de Passos Coelho que ganha as eleições depois de quatro anos de desgaste político e não alcança a (parca) vitória eleitoral sozinho.

“Após as eleições de 6 de outubro, concluí que iria chefiar um Governo minoritário do PSD e não um Governo de coligação, com apoio minoritário”. Bastaram poucos dias de análise dos resultados das eleições de 1985 para Cavaco Silva perceber que tinha pela frente um Governo minoritário e, sem procurar qualquer consenso, assumiu o cargo de primeiro-ministro. Agora, passados 30 anos, Cavaco Silva pede a Pedro Passos Coelho “uma solução governativa que assegure a estabilidade política” do país. À superfície os casos parecem parecidos. Uma minoria de direita que se depara com cenários políticos improváveis que tem de garantir a imagem externa de estabilidade do país e tem no horizonte umas eleições presidenciais. Mas é mesmo assim?
Para Miguel Cadilhe, ministro das Finanças do Governo minoritário de Cavaco – o único Governo de maioria relativa de direita, os dados de partida dos dois líderes, apesar de aparentes semelhanças, são muito diferentes. “Naquela altura estávamos a entrar na CEE. Não havia euro e tínhamos mais ferramentas de política económica para usar. Também não tínhamos o quadro disciplinador que hoje existe. Havia mais liberdade e mais tempo”, afirma o antigo ministro ao Observador. Na sua “Autobiografia Política”, Cavaco Silva afirma ter escolhido Cadilhe para as Finanças “pela sua indiscutível competência técnica e grande firmeza e criatividade”, embora soubesse que tinha “um feitio um pouco difícil”. Depois da anterior experiência de coligação de Bloco Central que tinha chegado abruptamente ao fim, havia o entendimento que um Governo de coligação “tem sempre dificuldade em negociar e marcar a sua diferença”, afirma Cadilhe.
Se por um lado havia um clima económico completamente diferente, sem o enquadramento e as exigências de uma moeda única, as condições políticas dos dois líderes do PSD também divergem. Desde logo, Cavaco era um primeiro-ministro estreante e um homem que se apresentava como um estranho às lides políticas, apesar de já ter integrado um Governo como ministro e ter sido eleito como deputado. Vinha de uma vitória retumbante uns meses antes no congresso da Figueira da Foz e na campanha recebia “abraços e beijos, alguns de um entusiasmo violento”, como lembra nas suas memórias. Nada podia ser mais diferente de Passos Coelho que ganha as eleições depois de quatro anos de desgaste político e não alcança a (parca) vitória eleitoral sozinho.

a) vitória eleitoral sozinho.
Cavaco_Camapanha_Guimaraes
Cavaco Silva em campanha em Guimarães nas legislativas de 1985 / Fonte: Arquivo fotográfico PSD
O PSD está agora ligado ao CDS, com quem pretende governar. Em 1985, essa não era uma opção para Cavaco, já que o CDS foi a quinta força política e apenas conseguiu eleger 22 deputados, o que, em conjunto com os mandatos do PSD, não chegava para a maioria absoluta e poderia dificultar outros entendimentos futuros no Parlamento com outras forças políticas. “A Comissão Política do PSD entendeu que se devia dialogar e ser atencioso com o CDS, mas não fazer qualquer acordo formal”, lembra Cavaco Silva no seu livro.
Mais, o país vivia em 1985 “um segundo 25 de abril” motivado pela adesão à CEE –  assinatura do tratado de adesão aconteceu em junho de 1985 e a adesão formal teve início a 1 de janeiro de 1986  lembra Carlos Pimenta, então secretário de Estado do Ambiente do Governo de Cavaco Silva. “Havia um enorme otimismo transversal a toda a população. Os mais jovens e a população urbana viam na Europa a modernidade e as pessoas que viviam no interior, tinham a esperança que a sua vida melhorasse com a adesão já muitos portugueses emigrados em países que já faziam parte da CEE, como Luxemburgo e França, conseguiam fazer as suas vidas com mais conforto“, afirma o antigo governante ao Observador. Agora, na sua opinião, “o mundo é outro”.

Um PRD ou uma maioria de esquerda? O PS escolhe

Para além das diferenças marcadas no centro-direita, os resultados eleitorais também traçam um cenário bem diferente. Em 1985, o Partido Renovador Democrático (PRD), força alimentada pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, concorreu nas legislativas e arrematou 44 lugares no Parlamento, entrando de forma surpreendente no eleitorado socialista. Este resultado do PRD deixou o PS fragilizado e com um grupo parlamentar reduzido a 57 deputados – num Parlamento com 250 assentos. O PSD, com menos de 30% conseguiu eleger 88 deputados, mas quando chegou a altura de formar Governo – e à semelhança do que Cavaco fez agora com Passos -, Eanes apenas chamou Cavaco Silva e numa reunião que o antigo primeiro-ministro descreveu como “franca e cordial”, o Presidente comunicou-lhe que ia indigitar o seu Governo minoritário.
Cavaco não deu, agora, esta indicação a Passos Coelho. Por um lado, em 1985 não havia maioria absoluta possível do outro lado. PS e PRD nunca se coligariam após as eleições e o PCP estava afastado da governação. Carlos Pimenta diz que a possibilidade de o PS fazer uma coligação à esquerda em 1985 nem era uma hipótese. No centrão político, tanto à direita como à esquerda, havia “a clara opção pela Europa”, assegura. E um dos mais veementes defensores (e construtores) dessa opção era Mário Soares.
Nesta altura – ao contrário do que parece estar hoje a acontecer -, o PS estava entre líderes. Mário Soares tinha apresentado a sua candidatura à presidência da República em julho e, no final do ano, já estava com a cabeça na estratégia das presidenciais, mas ele era ainda o garante ideológico do partido. Soares defendia que uma aliança com o PRD aniquilaria o PS em termos eleitorais e não servia os seus propósitos, já que ia contra a sua vontade de afastar definitivamente os militares do poder. Soares olhava para o partido de Eanes como um segundo Conselho de Revolução, órgão que ajudou a extinguir em 1982.
Agora, a abertura do PS a dialogar à esquerda mudou o cenário. A coligação possui mais de 100 deputados – embora o número possa ainda variar depois de serem apurados os votos dos círculos da Europa e fora da Europa que deverão chegar até 14 de outubro -, mas PS+Bloco de Esquerda+PCP conseguem formar uma maioria, havendo por isso um limbo político enquanto decorrem as conversações. Mesmo que a esquerda não se entenda para formar Governo, pode ainda fazer cair o Governo de direita através da rejeição do programa do Governo de direita. Em 1985, tanto PS como PCP e MDP apresentaram moções de rejeição ao programa do Governo, mas Cavaco estava convicto da aprovação do executivo e passou o primeiro teste de fogo. O PRD, tal como o CDS, abstiveram-se e deixaram passar Cavaco, mesmo sem qualquer acordo parlamentar.
“Cavaco Silva não ia por aí [coligações], e preferiu um Governo minoritário. A boa coordenação do Governo era superior ao valor de uma maioria parlamentar”, explicou Miguel Cadilhe ao Observador. Quando instado a detalhar porquê, o antigo ministro responde que se deve a uma questão de carácter: “É um espírito muito próprio de Cavaco Silva e a sua forma de estar”.
Na discussão sobre o programa do Governo, Manuel Alegre disse que o Governo assumia o poder com data marcada para morrer, mas Cavaco não tremeu. “Não me parecia que um Governo de maioria relativa mas homogéneo, como aquele que eu tinha formado, fosse menos estável do que uma coligação entre o PSD e o PRD, e por isso, fiquei satisfeito por ela não ter ocorrido. Embora não antevisse um a vida fácil para o Governo, achava que a sua sobrevivência dependeria muito dele próprio”, escreveu Cavaco. Segundo o Diário de Lisboa de 20 de novembro de 1985, Cavaco nunca se referiu ao seu Governo como minoritário, mas sim como “uma maioria relativa”.
O Governo conseguiria valer-se a si próprio enquanto o PS estivesse em ebulição – em 1986 elegeria um novo líder – e enquanto o PRD considerasse que não conseguia ser Governo. Cavaco admitiria mais tarde que a criação do PRD e a sua ascensão nas legislativas de 1985 foram uma “benesse” para a sua governação, não só pela falta de orientação naqueles tempos, mas pelo golpe que iriam desferir daí a dois anos. Mário Soares, no livro de entrevistas a Maria João Avillez, “Soares, o Presidente”, diz mesmo se não estaria “subjacente” na formação do PRD “dar uma mãozinha a Cavaco Silva num momento crucial”.

 

 


 



Umas presidenciais logo a seguir às legislativas

Uma situação que aparentemente também parece semelhante entre a situação de Passos Coelho e Cavaco Silva é o facto de três meses depois das legislativas, haver presidenciais. Novamente, a semelhança fica-se pelas aparências. Soares tinha decidido candidatar-se no final de 1984, mas não havendo cedência no Bloco Central para aliviar a política económica – o FMI tinha estado em Portugal em 1983 – e pressionado pelas negociações da entrada na CEE, o socialista manteve-se no Governo como primeiro-ministro. No meio da indecisão e dos problemas no Bloco Central – Mota Pinto, vice-primeiro-ministro e principal representante do PSD na coligação morreu de embolia cerebral em maio de 1985 – Freitas do Amaral e Maria de Lourdes Pintassilgo surgiram como candidatos.
Tal como agora acontece, com a queda do Governo de coligação em Junho de 1985, e novas eleições legislativas, as eleições para o Governo e para Belém misturaram-se. Enquanto os partidos se focavam nas legislativas, várias figuras individuais preparam a estratégia para a presidência. Pelo caminho, tal como agora parece estar a acontecer a Sampaio da Nóvoa, a estratégia de Soares parecia ter falhado, mas por razões diferentes. Com a vitória de Cavaco Silva no congresso da Figueira da Foz, Soares já não tinha garantido o apoio do PSD que até aí parecia certo (devido ao apoio de figuras como Rui Machete ou João Salgueiro, que eram candidatos naturais a ascender à liderança dos sociais-democratas. Mas Cavaco venceu, preferiu Freitas do Amaral e, no meio da derrota do PS nas legislativas, Soares improvisou.
Formou-se então o MASP – Movimento de Apoio Soares à Presidência, que contava com notáveis como Vasco Pulido Valente, Carlos Monjardino, António Barreto, José Carlos Espada, Pacheco Pereira e Manuel Villaverde Cabral. “A máquina do PS revelou-se muito lenta na resposta às necessidade da minha candidatura. Não se podia estranhar. Os socialistas, depois de clamorosa derrota sofrida nas legislativas, mostravam-se céticos e desmotivados“, afirma Soares no livro de entrevistas “Soares, Democracia”.



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