sexta-feira, novembro 26, 2010

Sayonara Nagasaki!

 
que os estragos provocados por uma arma deste género devem ser conhecidos. Sem alarmismos nem juízos de valor, saímos do local com a convicção de que aquilo não pode voltar a acontecer. 75 000 mortos e uma cidade devastada! Visita obrigatória para decisores políticos e militares. Esta não foi tão má como a que foi lançada em Hiroshima 3 dias antes porque a cidade tem várias colinas que protegeram algumas zonas. Mas a baixa foi toda arrasada e o número de vítimas fala por si.

Arigato Nagasaki! Saayonara dewa arimasen! Mata au hi made!







Obrigado Nagasaki! Isto não é um adeus! É um até à próxima!






A localização da sagres em Nagasaki não podia ser mais nobre. Um cais só para nós, em materiais nobres e com um longo jardim relvado e arborizado no centro do qual se situa um Centro Cultural e Museu de Arte Moderna. As pessoas passeiam por ali, fazem o seu jogging e reúnem-se para apanhar alguma brisa nestes dias quentes. O calor é abrasador e a humidade elevadíssima, o que aumenta a transpiração. Dizem que se trata de uma onda de calor e que não costuma prolongar-se tanto como agora. A toalhinha com que todos andam faz realmente jeito.






O segundo dia começou com a apresentação de cumprimentos protocolares ao Presidente da Câmara Municipal, Tomihisa Taue, com quem nos encontrávamos pela terceira vez. Realçou o quanto gostava da Sagres e que era a terceira vez que a via em Nagasaki. Elogiou muito o navio e a sua missão. Nagasaki é geminada com a nossa Cidade do Porto e aqui também estão muito ansiosos pela Japan Week que lá se vai realizar com uma boa representação da cidade. Disse-nos que iria receber no dia seguinte o Secretário-geral da ONU, Ban Ki Mon, e perguntou se podia falar da Sagres e desta relação especial entre Nagasaki, a Sagres e Portugal. Dissemos-lhe que sim, claro, e que estivesse à vontade para lhe mostrar o navio.






Seguiu-se o nosso Almoço VIP, com muito trabalho para o Óscar Hioki, o nosso tradutor e depois a visita ao Governador que quis saber muitos pormenores da viagem e cujo séquito fazia um coro de oh! quando lhe falávamos da duração, do trajecto e de outros pormenores. Os japoneses são muito expressivos no que toca a exclamações e não é raro ficarem aos gritinhos quando entram a bordo e vêem a dimensão da barca ou alguns pormenores da sua apresentação. As miúdas do coro da escola que nos recebeu à chegada não paravam de gritar quando os nossos cadetes lhes foram oferecer o pin da Sagres e o das bandeiras PT/JP que mandámos fazer para a visita ao Japão. De tal forma se pegou este expressionismo que entre nós, a bordo, já é normal fazermos uso das interjeições uh! ou oh! em variadas situações.






Às 18:15 já havia uma grande quantidade de convidados a aguardar o inicio da nossa Recepção mas às 18:30 hesitaram vários minutos aparentemente porque ninguém quis entrar antes do Presidente da Câmara e, quando este chegou, fez sinal e começaram os convidados todos a entrar. Entraram, tiraram muitas fotos, comeram rápido e saíram. Quando chegou a altura do brinde e do pastel de nata já não havia quórum e esta foi a nossa primeira recepção sem discurso no final.






Os japoneses têm uma tendência natural para se ordenar em filas. Era assim no acesso às mesas, nas visitas ao navio, nos circuitos dos museus, etc.. Mesmo quando se pode circular à-vontade sem ter que esperar que avance a pessoa que está à nossa frente, eles colocam-se em fila. E nós, muitas vezes nos vimos metidos naquelas filas ao visitar museus e outros locais de interesse.






Outra obsessão são os cartões-de-visita. Com um ritual próprio. Uma vénia e as duas mãos estendidas a segurar o minúsculo cartão, passando a quatro por segundos quando o interlocutor o recebe. Esperam sempre a retribuição. Fazem filas para trocas de cartões. As fotos já eram nossas conhecidas e tivemos dificuldades em sair da posição de pose e sorriso profissional durante toda a recepção e nos minutos antes e depois das cerimónias no cais frente ao navio.






Mas a comunicação em Nagasaki já foi mais fácil pois a organização da nossa visita destacou um batalhão de jovens tradutores que facilitaram as conversas.






Na quinta-feira aproveitámos para conhecer a cidade. Visitámos o Glover Garden, um conjunto de casas do estilo ocidental, em madeira, as mais antigas do Japão, construídas por um dos primeiros investidores a aproveitar a reabertura do país em 1854. Ficam numa encosta ajardinada virada para a baía. Seguiu-se a Igreja Católica Oura, construída em 1865 pelos missionários franceses em madeira e no estilo gótico. Dejima, uma ilha em forma de leque e murada, foi construída em 1636 para albergar os portugueses e os manter isolados da população de forma a prevenir a propagação do cristianismo. Depois da expulsão dos portugueses foi ocupada pelos holandeses. Foi recentemente construída e é um museu vivo do período holandês. A Ponte Meganebashi, de 1634, faz um interessante efeito óptico quando reflectida na água. O local dos 26 Martires, entre os quais 6 portugueses, presta homenagem a 26 cristãos presos em vários locais e que foram crucificados por se recusarem a acabar com as suas actividades religiosas após banido o cristianismo.






O Parque da Paz, a Estátua da Paz e o Museu da Bomba Atómica de Nagasaki situam-se todos na zona do epicentro da deflagração da segunda bomba lançada sobre o Japão. Foi às 11:02 do dia 9 de Agosto de 1945. Faz hoje 65 anos! Como cidadãos do mundo e principalmente como Militares, incentivámos a guarnição a visitar este conjunto porque consideramos

Alguns templos completaram a visita à cidade que oferece uma zona de galerias comerciais com um comércio efervescente pois os japoneses são gastadores compulsivos. Há à venda muitos artigos electrónicos misturados com tradicionais. Há também um grande mercado de artigos de luxo usados pois a febre de comprar os últimos modelos deixa os relógios de luxo e as malas de senhora da época anterior para estas lojas.






A nossa fama de bons futebolistas precede-nos e, desta vez precaveram-se e o jogo foi com a equipa de futebol profissional local e perdemos por 7-0! O ambiente, esse correspondeu a uma vitória da Sagres por muitos golos.






À noite jantámos a bordo, um jantar muito especial. O Jantar dos Africanos de bordo e afins. Os afins eram africanos alfacinhas ou por afinidade que se sujeitaram ao teste do picante na feijoada dirigida pelo cadete de Cabo Verde, Soares Delgado. A organização coube ao Cabo Farinha, camarada de outras navegações em outros navios e que tem tido um importante papel na manutenção da moral do grupo. O Comandante, angolano de Luanda e apreciador de picante, iniciou assim uma jornada comemorativa que duraria cerca de 40 horas, i.e. um dia inteiro desde Tóquio até Honolulu passando por Lisboa. Estes foram os locais de onde vieram as mensagens de parabéns pelo seu 44º aniversário.






O dia 6 de Agosto foi dia do aniversário do Comandante, do Lino Silva e do Milton Pereira. O Óscar sabia e divulgou pelo que alguns dos acontecimentos do dia foram ajustados. Logo às 00:00, apagámos as velas de um pequeno bolo e fizemos um brinde. De manhã fomos acordados pelos cadetes cantando os parabéns nas línguas todas que conheciam. Depois de uma Pequeno-almoço especial com os oficiais, começou por ser um dia com muitos contactos para acertar a visita aos próximos dois portos. Um almoço simples num restaurante do Dejima Warf de que faz parte o nosso cais. Durante o almoço faríamos o nosso contacto habitual com o José Candeias, em directo para a Antena 1, às 06:45 de Lisboa. Desta vez o Comandante foi surpreendido pelos parabéns do Francisco, do Afonso, do Duarte e da Mãe. Uma agradável surpresa que explicou porque é que a mulher e filhos não tinha atendido os telefonemas anteriores. Seguiu-se uma ronda pelas lojas à procura das lembranças adequadas a esta passagem. Procurávamos um Bonsai para fazer companhia ao nosso que já tem 7000 horas de navegação em vários oceanos e latitudes. Um genuíno Bonsai do Japão! Mas não encontrámos nenhum e chegámos à conclusão de que são actualmente mais tradicionais em Portugal. Às 18:30, numa das tendas instaladas no cais, um dos convivas do almoço VIP, produtor de chá, montou o cenário adequado, com biombos, mesas e cadeiras e com os instrumentos adequados e uma equipa de senhoras com ar de que faz isto há mais de 50 anos. Era a Cerimónia do Chá. Juntamente com um grupo de cadetes e guarnição, assistimos aos rituais da preparação e fomos iniciados nos rituais da cerimónia. Levanta com as duas mãos. Roda 3 vezes 45º para a direita. Bebe tudo. Passa o dedo para limpar. Roda duas vezes 45º para a esquerda. Devolve a taça com as duas mãos. Não esqueças a vénia e o Arigato Gosaimass! O sabor?... Corresponde ao que se espera da relva acabada de cortar! O difícil?... Não deixar que a nossa expressão revelasse o gosto.






O programa do porto previa para as 20:30 uma demonstração do carro alegórico da maior e mais tradicional festa da cidade de Nagasaki. O Festival Okun-chi que este ano, por coincidência várias vezes relevada pelas entidades, tem por tema rotativo a Nau Portuguesa. Uma embarcação estilizada, com cerca de 8 metros e 6 toneladas, com várias crianças sentadas no seu interior a tocarem instrumentos de percussão para marcar o ritmo. É arrastada, girada e travada por cerca de 20 homens que a agarram ao longo da borda. Antes da demonstração um grupo de crianças do grupo cantou a "Oliveira da Serra" e a "Rosa Arredonda a Saia". Em muito pouco tempo aprenderam a fonética das canções e deram um comovente espectáculo. Depois cantaram os parabéns ao Comandante, ofereceram um presente e receberam uma bandeira portuguesa para a Nau. Uma bandeira que esteve içada na Sagres. Seguiu-se a demonstração, uma sessão de fotografias e uma conferência de imprensa improvisada às quatro cadeias de TV e aos jornalistas que assistiram ao evento. As televisões não têm perdido nada do que à Sagres diz respeito e inclusivamente têm estado a colocar em antena programas sobre o nosso país. Sejam documentários, sejam promoções turísticas.






Seguiu-se o jantar, com os Oficiais, num restaurante tipo rodízio. Quatro fogareiros para 9 pessoas e uma hora para devorar toda a carne que quiséssemos. Seriam duas horas o limite mas a casa fechava de aí a uma hora mas ficámos muito satisfeitos.






No Sábado visitámos os pontos de interesse que nos faltavam. Almoçámos num Sushi Katu de uma cadeia de restaurantes de Kaiten Sushi, sushi rolante, onde há uma passadeira onde vão circulando pratinhos com uma grande variedade. A cor do prato define o seu custo. Até as bebidas têm um prato associado e no final da refeição faz-se a contabilidade aos pratos!






Entretanto tinha chegado um convite especial para um jantar com o Presidente Tomihisa Taue com traje informal. Às 19:00 chegámos ao restaurante indicado e os sapatos ficaram no hall de entrada. Era todo tatami. O Presidente e dois Vice-presidentes aguardavam o Comandante, o Imediato, o Dr Paulo Chaves, Conselheiro da Embaixada, e o Óscar. Sentámo-nos numas cadeiras baixinhas a uma mesa baixinha. Normalmente seria no chão mas para eles também é um suplício a partir de determinada idade, disse-nos o Presidente. Apareceu um grupo de senhoras trajando o kimono e umas colocaram-se entre os convidados e as outras apoiavam no serviço. Ao nosso lado, Miyogiku, preparava-nos os pratinhos, servia a cerveja e o saqué, mantinha os copos cheios e mantinha alguma conversa em inglês ou japonês por intermédio do Óscar. Uma postura perfeita! Regras de etiqueta aparentemente perfeitas! Uma conversa menos inibida do que os gritinhos envergonhados que era normal! "São Gueixas Senhor Comandante!" Depois de engolir em seco e tentar perceber onde estávamos, disseram-nos que existem 3 grupos principais de Gueixas no Japão entre estes o das de Nagasaki. São anfitriãs profissionais com um profundo conhecimento das artes tradicionais, habilidade para conversas espirituosas e capacidade para merecer o respeito dos seus clientes, segundo o Guia American Express que nos tem ajudado nesta aventura. Antigamente viviam em clausura até que um cliente abastado as tomasse como esposa ou amante. Actualmente são pessoas normais que foram aceites naquela profissão através de uma madrinha e que passaram por uma fase de aceitação e outra de aprendizagem. Sim! Foi um jantar muito divertido! A certa altura começaram as danças do leque em que o equilíbrio e a postura são fundamentais, acompanhadas pelo Shamisen de três cordas. Depois foram algumas coreografias algo infantis em que demos por nós a tocar um instrumento metálico com um martelinho, a acompanhar o Presidente Taue no tambor e a Gueixa líder no Shamisen. A nossa barba suscitou interesse entre as senhoras que queriam saber se picava no contacto com a face e, feito o convite, foram feitos testes e, aí sim - algumas gueixas envergonharam-se! Quiseram também saber da viagem e das nossas famílias e ofereceram lembranças para as nossas mulheres: um leque especial delas e dois ganchos que tiraram do cabelo na altura. Antes do final, um dos Vice-presidentes entregou-nos um envelope a cada um que continha uma gratificação simbólica para dar à senhora que tivéssemos apreciado mais e terminou assim a nossa experiência inesperada.






Este jantar foi provavelmente a maior prova de respeito e amizade que o Presidente Taue nos podia ter dado! É só para amigos e uma honraria raríssima de conceder, como nos disseram. Perdurará nas nossas memórias por muito tempo!






Ontem, às 09:30 da manhã, após a preparação do navio para largar, iniciámos a cerimónia de despedida. Perante várias entidades e algumas centenas de pessoas, o Presidente da Câmara Municipal, Tomihisa Taue, fez um discurso de amizade e muito elogioso para a sagres e a sua Guarnição. Ofereceu-nos uma foto do navio atracado em Nagasaki e mais um grande ramo de flores. Respondemos ao discurso dizendo agradecendo as amáveis palavras, o gentil acolhimento e as novas amizades conquistadas. Dissemos-lhe também que, se a nossa missão em Nagasaki era partilhar um bocadinho de Portugal e dos portugueses e comemorar as relações entre os dois países, então saíamos dali com o agradável sentimento de Missão Cumprida! Terminámos com as palavras em japonês que abrem esta crónica.






Por mais de uma vez recebemos a bordo as autoridades portuárias a informar que não era permitido caçar velas dentro do porto e que não o poderíamos fazer à largada. Provavelmente também o disseram aos Comandantes Martins e Silva, Homem de Gouveia e Rodrigues Leite, Comandantes da Sagres nas visitas anteriores à cidade e ainda bastante recordados. Talvez porque estes não lhes ligaram nessas alturas tenham vindo avisar várias vezes. Estava prometido e as ordens foram para ter o pano largado com vergas içadas. O vento estava muito leve mas de feição para a saída. Pedimos ao Piloto para nos afastar do cais, rodar com a proa para o cais e levar para montante porque queríamos passar frente ao cais para saudar a população. Em poucos segundos, na altura da largada o vento roda 180º ficando de proa para quem sai. Pela primeira vez nesta barca caçou-se o Pano Redondo de tacada. As alterações que fizemos ao aparelho durante esta viagem transformando escotas fixas em escotas móveis e dotando-as de carregadeiras permitiram caçar o pano com as vergas já içadas e, ao passar com a proa pela frente do cais, caiu o pano e recebemos uma ovação e um audível ohhhhh!. Tocou a sereia, acenou a mão gigante e seguimos directamente para a saída. Completada a rotação, o pano redondo ficou às costas mas foi uma largada espectacular.






O vento está favorável e teremos que fazer o jogo das correntes e contra-correntes. Até breve em Incheon - Seul!






Saayonara!






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