sexta-feira, janeiro 02, 2015

“Gosto de pensar que o PS se preocupará com a igualdade”

São quase nulas as hipóteses de a Assembleia da República aprovar antes das legislativas de 2015 a adopção de crianças por casais homossexuais, sustenta Isabel Fiadeiro Advirta. A nova presidente da associação ILGA entende que o PS de António Costa será decisivo em matérias de parentalidade.

A nova presidente da associação ILGA - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero rejeita a existência de um lobby gay que influencia os partidos com assento parlamentar na aprovação de leis relativas às minorias sexuais. E defende que o trabalho de “chamada de atenção e informação” é que tem sido decisivo. Eleita a 15 de Novembro, Isabel Fiadeiro Advirta, de 42 anos, é primeira mulher à frente da ILGA, em 18 anos de existência da mais importante associação portuguesa de defesa de direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero). Vai liderar até ao fim de 2016.
Espera que a Assembleia da República aprove o projecto sobre adopção apresentado em Setembro pelo Bloco de Esquerda?
Penso que nesta legislatura não vai ser. A co-adopção, que seria mais pacífica, por se referir a crianças que já existem e não à criação de novas famílias, não passou [em Março].
Gostaria de ver o tema da homoparentalidade legislado até ao fim do seu mandato?
Não depende de nós. O que depende de nós é acompanhar o que vão ser as eleições legislativas e continuar o nosso trabalho de chamada de atenção e de informação junto dos partidos e da sociedade.
A moção apresentada em Novembro por António Costa, no congresso em que foi eleito secretário-geral do PS, fala no acesso à adopção por casais do mesmo sexo e em Procriação Medicamente Assistida (PMA) para lésbicas e mulheres solteiras. Isto é um efeito da actuação da ILGA?
Não só, não tenho essa arrogância. É um efeito de tudo o que tem acontecido na sociedade portuguesa nos últimos anos. Ninguém está isolado do mundo, por isso o PS olha para os congéneres de outros países, vê quais são as posições e posiciona-se. Principalmente, gosto de pensar que o PS se preocupará com a justiça, a igualdade e os direitos das pessoas.
Quer a adopção, co-adopção e PMA num só pacote legislativo ou num processo faseado?
Se dependesse de nós, nem sequer estávamos a ter esta conversa.
Mas em 2010, a ILGA apoiou a lei do casamento gay, que impede explicitamente os homossexuais de se candidatarem à adopção de crianças. Não é contraditório?
Começámos a reivindicar as questões de parentalidade em 2003 ou 2004. Em 2010, quando aparece a questão do casamento, a parentalidade não estava em cima da mesa.
A vossa revindicação, antes de 2010, não era casamento e parentalidade de uma só vez?
Era, porque não pensamos os direitos por fases. O nosso papel é defender aquilo que acreditamos ser melhor para as nossas famílias e para a sociedade. Obviamente, não achamos que deva ser dado um passo hoje e outro amanhã, mas muitas vezes apostamos naquilo que é possível a curto prazo, sem deixar de falar nas outras coisas. Não vamos exigir o tudo ou nada. A impossibilidade, em 2010, de termos a parentalidade resolvida juntamente com o casamento, como pretendíamos, teve muito a ver com uma falta de trabalho sobre os temas da família e das crianças.
Falta de trabalho da sua associação?
Falta de visibilidade destas questões e de explicar às pessoas de que é que estamos a falar. Ainda hoje, apesar de todas as discussões e artigos de opinião, muitas pessoas resumem a parentalidade LGBT à adopção gay: um casal de homens que quer ir a uma instituição buscar uma criança. Também é isso, mas a adopção é apenas uma parte. Há a parte das famílias que já existem [e que reivindicam a co-adopção]. E há a expectativa de muitas pessoas de recorrerem à PMA.
Pensa que a sociedade portuguesa já reconhece como normal a existência de crianças em famílias homossexuais?
Os argumentos que costumo ouvir são os de que a sociedade não está preparada, as crianças vão ser também homossexuais e as crianças precisam de um pai e de uma mãe para terem um modelo masculino e feminino.
No subtexto de muitas críticas não está também a ideia de que os homossexuais podem praticar abusos sexuais contra crianças?
É possível que haja esse fantasma, mas há alguns anos que não oiço falar disso. Esse argumento coloca a questão da parentalidade apenas do lado dos homens, quando, na verdade, pela minha experiência, a maioria das famílias de que estamos a falar são constituídas por mulheres e crianças, diria cerca de 80%. De qualquer forma, é fácil ultrapassar o argumento: sabe-se que os abusos sexuais são principalmente cometidos por homens heterossexuais contra raparigas.
Há resultados da acção popular contra o Estado intentada em 2013 pela ILGA, por considerar que havia violação de direitos humanos ao não se permitir a co-adopção?
Posso dar-lhe esta novidade: o tribunal administrativo [de Lisboa] julgou-se incompetente para seguir com a acção e decidimos não recorrer para já. Se voltarmos a pegar neste caso, e é uma hipótese, vamos fazê-lo de forma diferente. A nossa vontade é resolver esta questão [co-adopção] por via legislativa. É mais rápido e mais legítimo.

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