sexta-feira, junho 12, 2015

O PRESO 44

O preso que continua a ser político



Não há privacidade na sala da prisão de Évora, onde os reclusos recebem as visitas. José Sócrates fala num tom baixo, mesmo quando o discurso endurece.
José Sócrates está focado, tem um guião que não larga. Pouco quis falar de política e muito menos do PS. Entre o aperto de mão, o sorriso inicial e a despedida, também em tom descontraído, Sócrates esteve sempre em tensão. Vê-se que procura dar sentido ao que lhe aconteceu, atacando sempre os mesmos alvos, um "eles" nada indefinido - Carlos Alexandre e Rosário Teixeira. Confessa, quase no fim da conversa, que não lhe resta qualquer confiança no sistema de justiça. Já por aí tinha passado antes quando lamentou o silêncio da classe política perante o seu caso, um tema que marcou uma das "cartas de Évora" enviada em dezembro ao DN.
Não sendo uma entrevista, a conversa com cerca de 25 minutos foi passada mais a ouvir do que a perguntar. De pouco valia. A qualquer questão, mesmo sobre as condições de vida na prisão, o antigo primeiro-ministro respondia rápido, sem detalhes, para em poucos segundos regressar à sua narrativa. A mensagem principal tem dois caminhos, algumas variantes e não surpreende. Primeiro, a circunstância em que se encontra e que não se cansa de repetir a cada passo: "Estou preso há seis meses sem acusação." Depois, os culpados dessa "circunstância": um juiz de instrução criminal e um procurador do Ministério Público. Por fim, as críticas duras à forma como a imprensa tem tratado o seu caso e ao silêncio generalizado da classe política.
À pergunta sobre os meses passados em Évora, Sócrates não gasta uma frase que seja a falar dos guardas prisionais ou dos outros presos. Rapidamente recua às horas passadas em Paris, antes do regresso a Lisboa. Recorda como foram ignoradas pelo DIAP as tentativas de contacto do seu advogado, a maneira como foi detido numa manga do aeroporto de Lisboa e o modo como foi tratado nos primeiros dias de detenção no Comando Metropolitano da PSP.
Numa sala de visitas com sete a seis metros de paredes brancas, onde existem seis mesas com três ou quarto cadeiras brancas de plástico por cada mesa, Sócrates fala, quase sempre, num tom baixo. Ali não há privacidade. Na mesa ao lado, outro recluso fala em surdina com a namorada. Mesmo quando o discurso endurece e as palavras se tornam mais ásperas, José Sócrates esforça-se por manter um tom discreto.
Com um guarda prisional à porta a marcar o fim da visita, o outro preso na sala e a namorada aguardam, de pé, que a nossa conversa acabe. Mal Sócrates se levanta, a namorada do outro recluso faz questão de se despedir do ex-primeiro-ministro. Não consegui perceber se já se conheciam ou se ainda resta algum do respeito com que em Portugal se trata, presencialmente, um antigo líder político.
Ao fim de 25 minutos de visita, e enquanto recolhia o telemóvel e o bloco de notas que tinham ficado guardados num cacifo à entrada do Estabelecimento Prisional de Évora, a sensação era a de que tinha acabado uma curta entrevista a um político no ativo, e sem poder tirar notas. José Sócrates, no essencial, continua a comportar-se como um político profissional. Está mais magro. Veste calças de ganga, ténis, uma camisola e um blusão desportivos, mas continua no registo de líder do PS e primeiro-ministro. Tem uma mensagem para passar, tem uma narrativa bem estudada e só responde ao que quer.

VIVE-SE  O TEMPO DA INQUISIÇÃO, NO MINIMO

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