Escutas mostram que Marques Mendes pediu favores a arguido dos vistos gold
Antigo líder do PSD intercedeu por pedidos de atribuição de nacionalidade a mulheres de empresários estrangeiros, tendo-se disponibilizado para falar com ministro da Economia. Um dos casos “arrastava-se há mais de um ano sem que os serviços dessem qualquer informação”, alega o comentador televisivo.
Pouco depois de rebentar o escândalo dos vistos gold, em Novembro de 2014, o nome do então conselheiro de Estado Marques Mendes apareceu associado a vários dos arguidos presos na Operação Labirinto. Primeiro, por ter sido sócio de alguns deles numa empresa igualmente implicada no caso dos vistos dourados, a JMF – Projects & Business. A seguir, por ter pedido favores ao principal arguido, o presidente do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo, em processos de atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos estrangeiros. O antigo líder do PSD negou tudo: disse que a empresa em causa não tinha actividade há vários anos e ainda que, nos casos de atribuição de nacionalidade, se tinha limitado a solicitar informações sobre o andamento de dois processos, e nada mais.
Porém, o conteúdo das escutas em que Marques Mendes foi apanhado – por António Figueiredo estar a ser vigiado pela Polícia Judiciária – mostra que o comentador televisivo foi mais longe: intercedeu pela atribuição da nacionalidade portuguesa a duas cidadãs estrangeiras, tendo-se disponibilizado, num dos casos, para falar sobre a questão com o ministro da Economia, António Pires de Lima. Também aproveitou para resolver um problema que a sua filha tinha com o cartão de cidadão, ultrapassando os procedimentos burocráticos a que a grande maioria dos portugueses tem de se sujeitar. Por outro lado, a isenção do pagamento de 1,8 milhões de euros de IVA por uma empresa a que estava ligado outro arguido do processo, Jaime Gomes, amigo do então ministro da Administração Interna Miguel Macedo, num negócio relacionado com o tratamento, em hospitais portugueses, de doentes líbios, contou igualmente com algum envolvimento por parte de Marques Mendes. Detido em Novembro de 2014, juntamente com outros arguidos, Jaime Gomes foi sócio do social-democrata numa segunda firma, de fraldas descartáveis.
A 26 de Agosto de 2014, Marques Mendes diz ao presidente do IRN que gostava de lhe enviar um “emailzinho” sobre um casal que conheceu em Moçambique, para ele “conseguir ver como é que se podia” resolver o problema. Salimo Abdula é “um tipo de grande prestígio, talvez o maior empresário de Moçambique”, e ainda por cima presidente da Confederação Empresarial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que tem sede em Lisboa. Mas nem estas qualidades todas, nem a sua “fortíssima ligação a Portugal”, país em que o filho “está a estudar” e onde possui “negócios, casa e contas bancárias”, granjearam, até àquele momento, à mulher, que tem “descendência de portugueses”, a almejada nacionalidade. O comentador televisivo explica como Assunção Abdula juntou ao processo declarações de Américo Amorim e do grupo Visabeira, com quem o casal tem negócios em Moçambique. Mas nem assim. “Podemos eventualmente ir pela via da discricionariedade”, equaciona António Figueiredo. “Pois. Claro, claro”, responde-lhe Marques Mendes, recordando-se de que o IRN pediu à requerente uma declaração do Ministério da Economia. “Se for preciso eu falo com o António Pires de Lima”, disponibiliza-se o antigo líder do PSD.
Contactado pelo PÚBLICO, Marques Mendes insiste em que nada fez de errado: “O caso arrastava-se há mais de um ano sem que os serviços dessem qualquer informação”. Prova de que não houve cunha nenhuma, argumenta, é o facto de o problema continuar ainda hoje por resolver, apesar das suas diligências e de “ter condições para ser solucionado face à lei”.
Um mês antes de António Figueiredo ser detido, a 17 de Outubro de 2014, Marques Mendes pergunta-lhe se pode levar ao IRN uma senhora por quem também tinha intercedido. Desta vez os seus esforços não foram em vão: presença habitual nas colunas sociais da imprensa brasileira, a nora do fundador do grupo Pão de Açúcar, Geyze Marchesi Diniz, conseguiu mesmo a dupla nacionalidade. “É muito importante, porque eles vão investir muito dinheiro em Portugal”, advogara Marques Mendes quando telefonara ao presidente do IRN para saber do andamento do processo. Segundo o comentador televisivo, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, tinha sido alertada para a questão e também era da mesma opinião. Marques Mendes aproveitou a ocasião para pedir ajuda para a sua filha, que estava com problemas relacionados com o cartão do cidadão. António Figueiredo pede-lhe para ela ir ter com ele aos serviços. “Era uma situação de emergência”, alega hoje Marques Mendes: a rapariga ia casar e não conseguia fazer a escritura da casa sem resolver o assunto.
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