Desde o início de Fevereiro de 2012 que dona V., 98 anos, apresentava sintomas de gripe. Tossia imenso. Passava mal. Ainda assim, as funcionárias do lar de idosos onde residia cumpriram a ordem que, alegadamente, lhes fora dada pela responsável da instituição: deram banho a V. e transportaram-na ao frio, nua, para o quarto. Nesta sequência, descreve o Ministério Público (MP), o estado de saúde de V. piorou. Foi preciso encaminhá-la para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. V. morreu no dia 24 desse mês. Causa: pneumonia.
O PÚBLICO obteve esta semana autorização do tribunal para consultar o processo do Lar dos Pastorinhos, em Lisboa. Maria Puresa Pais, 67 anos, em nome de quem o alvará de funcionamento do lar foi passado pela Segurança Social, está acusada de dez crimes de maus tratos contra dez utentes. O julgamento está a decorrer desde o início do mês. A próxima sessão está marcada para quarta-feira.
No processo – constituído por centenas de páginas, distribuídas por três volumes principais e dois de apensos – vários documentos passam em revista as circunstâncias da morte de seis idosos, que viveram nos Pastorinhos entre 2011 e Março de 2012. Em relação a dois deles, especificamente, o MP conclui que ao não lhes proporcionar os cuidados devidos, zelando pela sua saúde, Maria Puresa Pais sabia que poderia conduzi-los à morte.
O MP refere-se especificamente a um senhor com quase 90 anos, que morreu no lar, numa noite de 2011, na sequência de uma broncopneumonia aguda (a acusação fala de um óbito a 22 de Agosto de 2011, mas toda a documentação no processo refere-se a 22 de Março desse ano), e à dona V. — a tal que desde o início do mês de Fevereiro de 2012 apresentava sintomas de gripe e morreu dias depois do banho. Os nomes destes dois idosos constam da lista das dez alegadas vítimas dos maus tratos supostamente infligidos por Maria Puresa Pais.
Uma terceira suposta vítima, segundo o MP, foi uma idosa que também morreu naquele atribulado início de ano de 2012 – depois de cair da cama e ficar com hematomas na cara e no corpo. Não chegou a ser vista por nenhum médico, acrescenta a acusação.
Queixas de fome
O processo consultado pelo PÚBLICO contém também várias fotografias que uma funcionária – a auxiliar que fazia o turno da noite, das 18h às oito a manhã seguinte – facultou à PSP, no início da investigação. Há idosos com feridas e crostas na pele; uma idosa com sangue seco num olho e na cara; idosos deitados no chão, em posição fetal, debaixo da cama, debaixo de cadeiras, debaixo de uma mesa; idosos presos à cama pela cintura ou pelo pé; vários semidespidos, sem cuecas; outros de fralda; numa fotografia um idoso muito sujo com o que parecem ser fezes.
O processo consultado pelo PÚBLICO contém também várias fotografias que uma funcionária – a auxiliar que fazia o turno da noite, das 18h às oito a manhã seguinte – facultou à PSP, no início da investigação. Há idosos com feridas e crostas na pele; uma idosa com sangue seco num olho e na cara; idosos deitados no chão, em posição fetal, debaixo da cama, debaixo de cadeiras, debaixo de uma mesa; idosos presos à cama pela cintura ou pelo pé; vários semidespidos, sem cuecas; outros de fralda; numa fotografia um idoso muito sujo com o que parecem ser fezes.
Há ainda, no processo, um volume constituído pela cópia do “livro de ocorrências” do lar – um livro onde, em cada folha, escrito à mão, se pode ler o resumo de cada turno. A dona A. caiu da cama e magoou-se; o senhor B. continua no mesmo, fala, chama e pede pão; a dona C. tirou as fraldas; o senhor B. não dormiu nada e queixa-se de fome...
Maria Puresa Pais alega que as fotos que constam do processo foram encenadas pela funcionária, precisamente a do turno da noite, com quem havia um litígio (e que acabaria por ser despedida). E diz que os factos relatados pelo MP ou não são verdadeiros ou estão deturpados.
Foi a 25 de Janeiro de 2012 que o Lar dos Pastorinhos chamou à atenção. Uma agente da PSP teve de lá ir, por causa de um outro processo, relacionado com uma idosa que teria sido vítima de maus tratos por parte do filho.
Depois de tocar à campainha – o lar funciona em dois andares de um prédio na movimentada Av. 5 de Outubro, em Lisboa, a poucos metros do Ministério da Educação – a agente esteve 40 minutos à espera que lhe abrissem a porta.
Quem acabou por abrir foi a auxiliar da noite que estava sozinha com 24 idosos (a quem tinha de dar o jantar, sendo que apenas três eram capazes de comer sozinhos). A mais velha das utentes tinha 99 anos.
A agente não gostou do que viu – desde logo, do facto de haver uma única funcionária que tinha a seu cargo, durante toda a noite, a alimentação, cuidados de higiene e vigilância de 24 idosos. Também não gostou do cheiro a urina. Suspeitou de maus tratos.
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