quarta-feira, março 30, 2016

A estatistica é como o Biquini :- o que mostra é sugestivo :- o que esconde é vital


 Do início da década de 80 até hoje, foram várias as vezes em que os caminhos do Presidente e do primeiro-ministro se cruzaram. Ao longo de mais de 30 anos, foram-se aproximando e ganhando o hábito de falar ao telefone de vez em quando e até fora de horas. Admiram-se mutuamente, mas tentam agora manter uma distância “institucional” que até pode vir a aprofundar-se entre Belém e São Bento

Em 1982, António Costa era um caloiro na Faculdade de Direito de Lisboa, mas não era um estudante qualquer. Dividia o tempo entre a associação académica, o trabalho como deputado na Assembleia Municipal de Lisboa e as noites passadas no sótão de António Guterres, onde se conspirava sobre o futuro do PS. A política estava-lhe na massa do sangue e isso era algo que tinha em comum com um dos seus professores favoritos da altura, Marcelo Rebelo de Sousa.
Por esses dias, também Marcelo estava já longe de ser um professor qualquer. Era ministro dos Assuntos Parlamentares do governo de Balsemão e tinha uma atividade intensa. Acabado de sair do “Expresso”, que ajudou a fundar e onde deu nas vistas pela análise política, estava a preparar o lançamento de mais um jornal, o “Semanário”, ao mesmo tempo que iniciava uma corrente no PSD para lutar contra o bloco central.
Foi nesse ano que os caminhos de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se cruzaram pela primeira vez. Nessa altura, nada fazia crer que um dia seriam primeiro-ministro e Presidente da República. Mas foi o primeiro capítulo de uma história que os levou a cruzarem--se por várias vezes ao longo de mais de 30 anos.
A mãe de Costa, Maria Antónia Palla, lembra-se do entusiasmo do filho com as aulas do professor. “Sei que eles se conheceram na Faculdade e que as relações entre os dois foram sempre boas.” Talvez não tenha sido por acaso que o jovem estudante de Direito ficou para a posteridade no livro de curso caricaturado com uma Constituição da República Portuguesa ensinada na cadeira de Marcelo e leitura obrigatória para quem se interessa por política.
Se Rebelo de Sousa acabou o curso com um impressionante 19, António Costa ficou-se por uma média final de 15, que não deixa de ser impressionante se se pensar na atividade política que já tinha na altura. E que não abrandou depois de terminar os estudos.
No final da década de 80, o jovem socialista conciliava a tropa com o estágio no escritório de advocacia de Jorge Sampaio, Vera Jardim e do tio Jorge Santos, e ainda dava aulas à noite na faculdade.
Os pareceres jurídicos O “tio-camarada”, como António gosta de chamar a Jorge Santos, é uma das testemunhas da “relação próxima” entre o primeiro--ministro e o Presidente da República. “Sempre falou do prof. Marcelo com muita simpatia”, conta Jorge Santos, explicando que ao longo da sua vida profissional foram várias as vezes que Costa “pediu pareceres jurídicos” ao antigo professor. “Mantiveram sempre contacto.”
O direito estava, porém, longe de ser o assunto que mais os aproximaria. Na arena política, Marcelo e António cruzaram-se em 1996. Anos antes, ambos tinham perdido batalhas autárquicas. Rebelo de Sousa perdera a Câmara de Lisboa para Sampaio em 1990; em 1993, Costa tinha perdido Loures. Mas nenhum dos dois dava mostras de querer sair de cena.
Nesse ano de 96, o PSD ainda lambia as feridas do final do cavaquismo e Marcelo chegava a líder. Costa tinha sido durante dois anos secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e Guterres tinha-o promovido a ministro.
Sem maioria absoluta no governo, o parlamento torna-se o palco central das negociações entre PS e PSD que acabariam por conduzir a dois referendos e uma revisão constitucional, com a viabilização de três Orçamentos do Estado como pano de fundo. Pelo meio, muitas horas de conversas e intrigas de bastidores nas quais Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa foram sempre protagonistas.
Costa ocupava um cargo que Marcelo tinha assumido no governo de Balsemão e eram várias as conversas entre os dois, mesmo que no PSD se assegure que as negociações eram feitas diretamente entre o líder social-democrata e o amigo de longa data António Guterres. Na maioria das vezes, Marques Mendes, líder parlamentar e número dois de Rebelo de Sousa, era o interlocutor de Costa. Mas o ministro socialista tentava, sempre que podia, falar diretamente com o líder da oposição.
A rasteira do aborto Algumas vezes, Marcelo tirava-lhe o tapete. Foi o caso no tema do aborto. António Costa fazia as contas à maioria de esquerda no parlamento e contava aprovar a despenalização da interrupção voluntária da gravidez sem problemas. Mas o líder do PSD convenceu o católico primeiro--ministro socialista a referendar o assunto. Marcelo ganharia o referendo, com o “não” a chegar aos 50,91%.
A liderança de Rebelo de Sousa chegaria ao fim em 1999, depois do fim da coligação com Paulo Portas, mas o líder podia reclamar ter ganho também o referendo à regionalização, com o “não” a chegar aos 63,59%. Nenhuma das duas consultas populares foi vinculativa – por a participação ter sido inferior a 50% –, mas os resultados tiveram um forte impacto político.
Fora do palco partidário, Marcelo Rebelo de Sousa regressou aos media e ao comentário político. Primeiro no “Exame” da TSF, depois na TVI e na RTP – e novamente na TVI –, “o professor”, como começou a ser conhecido, distribuía notas e analisava políticos. António Costa foi várias vezes alvo desses comentários. Na maior parte das vezes, teve elogios pela capacidade política, mas também não escapou a críticas.
O certo é que, nos bastidores, nunca deixaram de ser próximos e de falar frequentemente ao telefone. Muitas vezes, a horas impróprias, graças aos hábitos noctívagos do comentador. “Ele não dorme e julga que mais ninguém dorme também”, desabafou Costa a certa altura a um amigo, depois de Marcelo lhe ter voltado a ligar a meio da madrugada.
Apesar de nunca se terem tratado por “tu”, a relação era de grande proximidade. “Uma vez tiveram uma conferência no Porto e Marcelo ofereceu-lhe boleia e foram juntos”, recorda o tio do líder do PS, Jorge Santos.
Nota máxima a Costa Publicamente, o comentador analisava o socialista e dava-lhe nota máxima. “Para nós, o mais complicado é o António Costa. Não sei se é bom dizer isto, porque vai ajudar o António Costa”, comentava na Universidade de Verão do PSD quando Costa desafiava António José Seguro numa luta pela liderança socialista.
Cerca de um ano depois, o analista não tinha dúvidas em dar a António Costa a vitória no debate que o opôs a Pedro Passos Coelho na campanha para as legislativas de 2015: “António Costa liderou a iniciativa, liderou o tempo e liderou as mensagens mais fortes durante mais tempo.”
Os comentários que foram fazendo em privado um sobre o outro revelam, porém, uma admiração mútua que algumas vezes transpareceu também nas declarações públicas, mas que entre os íntimos ia mais longe do que as diferenças partidárias deixariam adivinhar. “O Marcelo vai dar um grande Presidente da República”, dizia António Costa aos mais próximos em julho, quando no PS ainda se ponderava a hipótese de apoiar Sampaio da Nóvoa para as presidenciais.
A distância presidencial Com Marcelo já instalado em Belém, Costa prefere agora uma atitude um pouco mais distante, mesmo que os contactos entre ambos sejam constantes. Há semanas, a meio de um jantar, o telefone tocou e o primeiro-ministro atendeu com um “boa noite, senhor Presidente”. Quem assistiu estranhou o tratamento formal entre dois homens que há tantos anos falam regularmente. “Convém manter uma certa distância institucional”, esclareceu Costa com um sorriso nos lábios.
Quem os conhece garante que primeiro-ministro e Presidente “trabalham bem”. Mas sabe também que nenhum dos dois tem feitio para confiar a 100% um no outro, pelo que esta “distância institucional” se justifica.
Pelo menos por agora, a “máxima cooperação institucional” que António Costa prometeu ao Presidente no dia da sua eleição parece estar a funcionar em pleno. Tanto que, em breve, os dois devem fazer uma visita conjunta a Angola – uma viagem a que não será alheio um dos dossiês em que mais se aproximaram nestes primeiros tempos de mandato presidencial, no qual Marcelo defendeu a intervenção de Costa para tentar trazer capital angolano para o BCP, diminuindo a exposição da banca nacional a Espanha.
Essa tentativa de Costa saiu gorada, com as negociações entre os espanhóis do La Caixa e a empresária angolana Isabel dos Santos a acabarem em rutura, mas o episódio serviu para o Presidente mostrar proximidade com o primeiro-ministro, ao mesmo tempo que respondia de forma dura às críticas de Passos Coelho contra uma intervenção de São Bento e de Belém nos negócios da banca.
Foi mais um sinal de que Marcelo pretende ser um fator de estabilidade política e ajudar a “cicatrizar feridas”, como prometeu na campanha e no seu discurso de tomada de posse. Mas estas boas relações poderão não durar para sempre. E Rebelo de Sousa também já o deixou claro. “Nenhum Presidente da República passa cheques em branco a nenhum governo”, disse na semana passada.



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