Encerramento está relacionado com a nova lei das rendas. Movimento que quer proteger lojas históricas estima que, nos últimos anos, terão fechado 15 que mereceriam ser preservadas
"Desculpe, esta pastelaria fechou?", pergunta, num misto de curiosidade, incredulidade e tristeza, uma idosa que, em tempos, frequentou regularmente a Sul América, em Lisboa. Mais de uma semana depois de o café inaugurado na década de 1950 ter fechado portas devido, ao que o DN apurou, a um aumento no valor do arrendamento permitido pela chamada nova lei das rendas, datada de 2012, há ainda quem não acredite que o espaço que era quase uma extensão da Escola Secundária Rainha D. Leonor não voltará a abrir portas. "É mais uma...", desabafa a lisboeta, antes de continuar caminho abanando a cabeça.
O anúncio surpreendeu o bairro de Alvalade, menos de dois meses depois de o encerramento do restaurante Palmeira, a funcionar em plena Baixa Pombalina desde 1954, ter deixado os lisboetas em choque. Neste caso, o desfecho chegou depois de o prédio ter sido vendido a um investidor. Ao todo, terão fechado nos últimos anos, por causas diversas, cerca de 15 estabelecimentos históricos na capital. A estimativa é de Paulo Ferrero, membro fundador da iniciativa Círculo das Lojas de Caráter e Tradição de Lisboa, que, ainda assim, não inclui a Sul América no grupo de espaços que, pelo seu valor, deveriam ser preservadas e que, no total, serão à volta de 150.
"Para os moradores num raio de cem metros, era uma segunda casa, mas isso não quer dizer que o seu fecho seja motivo para chorar", defende ao DN, destacando-a sobretudo pela sua inserção num verdadeiro "circuito de cafés-pastelarias que outrora foram de renome, dos anos 1950 a finais de 1970 e pouco mais no eixo da Avenida de Roma". "Todas elas, assentes numa certa bitola de qualidade de serviço e de clientela, com decorações mais ou menos de época e aprumadas, caíram a pique desde então", sublinha. Algumas fecharam já definitivamente, outras reinventaram-se.
Cenário não tem de ser negro
O caso mais recente é o da Mexicana, na Avenida Guerra Junqueiro, que, depois de um processo controverso que implicou o embargo das obras de remodelação por falta de licenciamento municipal, reabriu parcialmente em dezembro e, já este mês, foi oficialmente inaugurada. Dois dos seus elementos mais marcantes - o painel cerâmico Sol Mexicano, de Querubim Lapa, e o passarinhário, uma espécie de gaiola de vidro com aves no seu interior - foram preservados e, na sua cave, funciona agora uma taberna portuguesa, complementar à pastelaria tradicional.
A Luanda, no cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida dos Estados Unidos da América, a Franqfort - atualmente Confeitaria Lisboa -, no número 46 da Avenida da Roma, e a Nova Lisboa, na Rua Marquesa de Alorna, são outras das pastelarias de Alvalade que acabaram por reabrir renovadas, enumera Paulo Ferrero. Já a Suprema, a Tic-Tac, a Roma - onde funciona hoje um restaurante McDonald"s -, a Capri, a Londres, a Paris e a Copacabana dão forma à lista negra das que fecharam portas definitivamente. A Granfina será, de acordo com Paulo Ferrero, uma das que sobrevivem sem alterações.
O lisboeta rejeita, contudo, ver este cenário como totalmente negativo. "Há um novo furor de novas pastelarias com ou sem aproveitamento das antigas, com empresários mais jovens e atentos ao facto de que não é com interiores forrados a vidro, esplanadas de plástico e anúncios vários e estropiamento de interiores da época que o negócio rende, antes estagna e regride até fechar, por mais afetos e hábitos que haja de quem vive perto e, tantas vezes, não tem mais nenhum local para ir", argumenta.
Para já, não se sabe qual será o destino da Sul América, cujos proprietários preferiram não falar ao DN. Quem trabalha nas suas imediações não esconde o choque pelo encerramento repentino do estabelecimento que conhece desde sempre. "As pessoas chegaram aqui e estava fechada", frisa Geovita Patrício, de 78 anos, sem abandonar a ombreira da loja de roupa que explora há mais de três décadas a poucos metros da pastelaria que, desde dia 21, está encerrada.
Quarta-feira, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou por unanimidade (sem a presença do vereador centrista e por iniciativa do seu vice--presidente, o socialista Duarte Cordeiro) uma moção visando a submissão à Assembleia da República de um conjunto de alterações legislativas que protejam as lojas mais antigas.
O vereador comunista Carlos Moura criticou o facto de só ter sido apresentada na semana passada, uma vez que, se tivesse chegado antes, "várias lojas fechadas ainda teriam muita história pela frente para contar". Na mesma sessão, o executivo aprovou os critérios para definir o que é uma loja com história - mais um passo no programa lançado há um ano para a preservação destes estabelecimentos.
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