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Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, oferece camisola de voluntário ao antecessor, Cavaco Silva
O ex-Presidente mantém uma vida "pacata" no seu gabinete de meio milhão de euros, contrastando com os seus antecessores.
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, oferece camisola de voluntário ao antecessor, Cavaco Silva
Um jantar e um almoço em sua homenagem, três reuniões do Conselho de Estado, uma ida oficial à Madeira e uma presença na celebração da Bolsa do Voluntariado. Resumem-se a estes sete eventos as saídas públicas do ex-Presidente da República, Cavaco Silva, nos oito meses que decorreram desde que deixou Belém. Prometeu "recato" e este continua a fazer lei na sua vida. É no "recato" do seu gabinete de dois pisos, que custou ao erário público meio milhão de euros em obras, no Convento do Sacramento, que estará a escrever o 3º volume da sua autobiografia, que retratará os seus últimos anos na presidência.
Até no sair de cena, o contraste com os seus antecessores, Mário Soares e Jorge Sampaio, é enorme. Sampaio mal teve tempo para se organizar. Menos de dois meses depois de sair da Presidência recebeu um telefonema de Kofi Anan a convidá-lo para enviado especial da ONU. "Estávamos nós a fazer uma reflexão sobre qual poderia ser a intervenção de um ex-Presidente, a curto e médio prazo, principalmente no contexto internacional, quando toca o telefone e era o secretário-geral das Nações Unidas. Nem tinha passado um mês desde que tínhamos deixado Belém", recorda a sua assessora Helena Barroco, que veio da Presidência com Sampaio. Uma leitura rápida na sua agenda desse ano é bem reveladora da "intensidade" das suas atividades. Muitas saídas ao estrangeiro, diversas participações em colóquios e conferências no país em vários continentes, inúmeras reuniões no âmbito do seu novo cargo. "O Dr. Jorge Sampaio sempre entendeu que um ex-Presidente, apesar da reserva, pelo menos nos primeiros tempos, em relação à política interna, tem muitas possibilidades de intervenção externamente", afiança Helena Barroco. "Queria continuar muito ativo e acabou por se proporcionar ao mais alto nível", acrescenta.
Soares ainda conseguiu escapar aos holofotes e gozar umas ansiadas férias, durante um mês, com a sua mulher, Maria Barroso. Mas logo a seguir a atividade foi intensa no lançamento da fundação com o seu nome, inaugurada três meses depois de sair de Belém. "O Dr. Mário Soares fez acreditar que tinha ido de férias para o estrangeiro, mas ficou em Portugal com a mulher. Não queria jornalistas a incomodar", recorda o seu ex-chefe da Casa Civil, Alfredo Barroso. Depois, conta, "dedicou-se à organização e inauguração da Fundação e não teve praticamente intervenções públicas nesses primeiros tempos".
O General Ramalho Eanes foi de todos o que teve uma vida política direta mais ativa. Começou, ainda em Belém, a preparar o Partido Renovador Democrático (PRD). Quando saiu da Presidência, em 1986, o PRD já era o 3º partido mais votado, com 45 deputados. Mas foi sol de pouca dura. Nas eleições seguintes só elegeu sete deputados e Eanes abandonou a liderança.
Do Possolo ao Sacramento
Praticamente todos os dias Cavaco Silva percorre, no seu carro com motorista, os 1100 metros que separam a sua casa, na Travessa do Possolo, do convento, na rua do Sacramento a Alcântara. No seu gabinete tem uma secretária e um assessor. O assessor Ademar Marques, dirigente do PSD de Peniche, remeteu o DN para o site oficial do gabinete (www.gabinetesacramento.pt) a informação sobre as atividades do ex-Presidente. Existem apenas cinco fotos destacadas na sua agenda dos últimos 243 dias. Duas ainda no dia nove de março, em que passou o testemunho a Marcelo Rebelo de Sousa (uma a receber deste o Grande Colar da Ordem da Liberdade e num encontro com o rei D.Felipe VI de Espanha); em abril, a tomar posse como conselheiro de Estado; em maio, a receber Aga Khan; e a última, já em outubro, a dar nota das felicitações a António Guterres, pela sua eleição para secretário-geral da ONU.
"O professor Cavaco Silva está a cumprir o que tinha prometido. Recato e afastamento da vida pública, pelo menos, nestes primeiros meses. Continua, contudo, a seguir atentamente a política nacional, até porque prepara com todo o cuidado as suas intervenções no Conselho de Estado", assinala um ex-colaborador de Belém, que pediu o anonimato. Um outro elemento da sua antiga equipa da Presidência, que pediu igualmente para não ser identificado, confidencia que Cavaco vai "praticamente todos os dias ao gabinete do Sacramento, onde está a escrever a sua autobiografia". Está "rejuvenescido e muito tranquilo, com sentimento de dever cumprido", acrescenta. Momentos de stress? "Um pouco apenas quando surgiu uma notícia, falsa, a dizer que tinha defendido a aplicação de sanções a Portugal, numa reunião do Conselho de Estado", revela ainda este ex-assessor.
Acompanhou na sua casa do Possolo, porque era dia feriado, a escolha de António Guterres para a ONU. Foi dali que escreveu um comunicado a congratular o ex-primeiro ministro e líder socialista.
De política, nestes oito meses, foram telegráficas as intervenções. "Têm sido muito pacatos os meus dias. E vão continuar pacatos", admitiu logo em maio, numa homenagem promovida pelo Instituto Superior Economia e Gestão (ISEG) , na sua primeira aparição pública. Mas quebrou a "licença sabática" e não resistiu a deixar deixar uns recados políticos subtis. "a política económica é demasiado importante para ser deixada aos políticos", sublinhou. "Basta ver o que aconteceu na Grécia", sugeriu. Sem falar de política nacional elogiou o papel dos economistas na governação dos Estados: "no médio prazo, a realidade acaba por se impor e vencer a ideologia", asseverou, tendo sido interpretado como uma referência à solução política de esquerda a que deu posse antes de deixar o cargo.
Homenagem
Em julho, num almoço de homenagem no Hotel Pestana, em Lisboa, organizado pela sua ex-ministra da Saúde Leonor Beleza, estiveram presentes cerca de 80 personalidades, entre as quais Marcelo Rebelo de Sousa. No seu discurso, afirmou que concluiu o seu tempo em Belém "de consciência tranquila", e também que "há muita coisa que não se sabe" porque tomou a "a decisão de manter muita coisa reservada na convicção de que essa era a melhor forma de defender o superior interesse nacional". Marcou aí o tabu que, provavelmente, só será levantado com a publicação do seu livro. O da sua análise à política do momento e, quem sabe, a resposta ao seu ex-braço direito Fernando Lima sobre o controverso caso das escutas em Belém. "Este não é o tempo, como é óbvio, de fazer revelações. É o tempo para eu agradecer àqueles que estiveram ao meu lado nas mais variadas situações e me ajudaram a percorrer este caminho político. Mas esse momento chegará", prometeu.
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