A estatistica é como o Biquini :- o que mostra é sugestivo :- o que esconde é vital
Quem inventou a expressão “barata tonta” devia andar de chinelo na mão, na cozinha, atrás do bicho. Ou então teve uma antevisão das obras em Lisboa, no outono de 2016. Um vislumbre do que se passa no Cais do Sodré, à hora de ponta, quando os autocarros, os ferries, os elétricos, o comboio e o metropolitano debitam milhares de passageiros para o exíguo passeio junto à gare. É vê-los a procurar um lugar na passadeira, entre a poeira, o apito do polícia municipal no cruzamento com a 24 de Julho, as barreiras vermelhas de plástico, os táxis alinhados. Uma saída? Não há. É a selva: que cada um se faça ao caminho e encontre o seu. “Se Deus quiser.”
Quem inventou a expressão “barata tonta” devia andar de chinelo na mão, na cozinha, atrás do bicho. Ou então teve uma antevisão das obras em Lisboa, no outono de 2016. Um vislumbre do que se passa no Cais do Sodré, à hora de ponta, quando os autocarros, os ferries, os elétricos, o comboio e o metropolitano debitam milhares de passageiros para o exíguo passeio junto à gare. É vê-los a procurar um lugar na passadeira, entre a poeira, o apito do polícia municipal no cruzamento com a 24 de Julho, as barreiras vermelhas de plástico, os táxis alinhados. Uma saída? Não há. É a selva: que cada um se faça ao caminho e encontre o seu. “Se Deus quiser.”
Eleições em 2017? Obras em 2016. O calendário eleitoral de
Fernando Medina transformou a capital
num pandemónio de poeira e ruído. VEJA AS FOTOS,
A INFOGRAFIA E OS VÍDEOS
Quem inventou a expressão “barata tonta” devia andar de chinelo na mão, na cozinha, atrás do bicho. Ou então teve uma antevisão das obras em Lisboa, no outono de 2016. Um vislumbre do que se passa no Cais do Sodré, à hora de ponta, quando os autocarros, os ferries, os elétricos, o comboio e o metropolitano debitam milhares de passageiros para o exíguo passeio junto à gare. É vê-los a procurar um lugar na passadeira, entre a poeira, o apito do polícia municipal no cruzamento com a 24 de Julho, as barreiras vermelhas de plástico, os táxis alinhados. Uma saída? Não há. É a selva: que cada um se faça ao caminho e encontre o seu. “Se Deus quiser.”
Jorge Lopes e Tânia Caldas não têm tido o deus das obras do seu lado. A loja de aluguer de bicicletas de que ele é proprietário e de que ela é gerente está situada no Largo do Corpo Santo, a 200 metros do Cais do Sodré. Do hub ferroviário até aqui podia-se fazer o trajeto de duas formas: pelo exterior, seguindo a Avenida da Ribeira das Naus, ou pelo interior, tomando a Rua Bernardino Costa. Com a via principal interditada e entaipada, resta a Bernardino Costa, por onde só se circula com o corpo colado à parede para evitar os carris descarnados do elétrico.
Quando se tenta virar para a Bike’beria, é preciso esperar: há um caterpillar com um braço articulado a varrer a área sobre o corredor destinado aos peões. Um homem arrisca fazer a passagem sob o voo rasante da pá voadora. Outro aguarda que alguém coloque um tabuleiro para passar a vala aberta à porta do prédio. São 8:50 horas, o dia está a começar para milhares de trabalhadores e moradores da frente Ribeirinha, mas os bulldozers já atingiram o clímax.
“Vivemos com as obras desde 2009”, afirma, perentório, Jorge Lopes. Um funcionário tenta encontrar no exterior, no meio das obras, lugar para as bicicletas ainda armazenadas no interior. “Nenhum lojista recebeu informação da Câmara Municipal de Lisboa. É uma falha grande, não informar as pessoas”, denuncia o empresário. “A cidade está toda em obras. Entre o Largo de Santos e Santa Apolónia, as pessoas não conseguem circular”, sintetiza.
Manuel Salgado, vereador da Câmara Municipal responsável pelas obras na capital, considera que houve informação suficiente aos munícipes. “São feitos folhetos e são distribuídos nas caixas do correio. Para as listagens da EMEL [a empresa municipal de estacionamento] são enviados sms quando há alterações de trânsito”. A VISÃO perguntou a dois residentes de longa data da Avenida Elias Garcia, ambos com dísticos de residentes da EMEL, se haviam sido avisados. “Não”, foi a resposta. “Há sempre pessoas que dizem que não foram informadas”, alega o vereador.
No site do município também não há informação destacada sobre as obras. Para descobrir quais são as vias interrompidas, é necessário carregar no separador Viver, depois escolher a opção Mobilidade, e ainda Informações de Tráfego. Aparecem então listas com as alterações ao trânsito, sem qualquer mapa síntese da informação.
“NÃO HOUVE QUALQUER ACIDENTE ATÉ AGORA”
Deixemos a “ilha” de Jorge e Tânia no Corpo Santo. Na Rua do Arsenal, em frente ao Tribunal da Relação de Lisboa, vizinho do edifício dos Paços do Concelho, um operário tortura o asfalto com uma picareta, entre os carris dos elétricos tão elogiados pelos visitantes da capital, agora descascados até à sua essência férrea. O acesso à Justiça é feito aos pulos, por quem pode e sabe. Uns passos à frente, a sede do Turismo de Lisboa está sitiada no seu estreito passeio, separada do resto da cidade pelo esqueleto dos carris.
Até ao Campo das Cebolas, sede da Fundação Saramago, o que podia ser episódico torna-se regra. Passadeiras sem marcações, máquinas em movimento nos passeios, poeira, e ruído, muito e constante, dos martelos pneumáticos.
“Se isto fosse feito pelo Santana Lopes, havia manifestações umas atrás das outras. ‘Um desperdício de dinheiro!’, diriam. Como são estes tipos, toda a gente se cala”, critica Fernando Nunes da Silva, professor do Instituto Superior Técnico e especialista em transportes e urbanismo. “Há maneiras diferentes de fazer estas obras, por fases, mas não são compagináveis com esta ideia de ter tudo pronto até às eleições. No dia em que houver um acidente, aqui d’el rei”, avisa. Nunes da Silva, ex-vereador da Mobilidade, abandonou o executivo camarário, então liderado por António Costa, em 2013.
Hoje, é um dos maiores críticos do executivo de Fernando Medina.
“Não houve qualquer acidente até agora” na Frente Ribeirinha e no Eixo Central de Lisboa, garante Manuel Salgado. O arquiteto, desde 2007 também responsável pelo urbanismo e planeamento municipais, atesta que há dois técnicos de segurança a acompanhar as intervenções, um nomeado pelo município e outro pelo empreiteiro. “Não nego, contudo, que haja situações absurdas. Ontem, do meu gabinete da Praça do Município, vi, na Rua do Arsenal, uma máquina, o chamado ‘pica-pau’, a partir a base de betão enquanto havia pessoas a circular no passeio, numa passagem que não estava protegida. Pode haver falhas? Pode.”
‘MAD MAX’ NO CAIS DO SODRÉ
Para Isabel Sá da Bandeira, presidente da Aqui Mora Gente, uma associação de moradores do Cais do Sodré, as tais falhas são sobretudo relacionadas com o funcionamento dos bares. Mas a tradutora, que há 11 anos trocou Campo de Ourique por um apartamento nesta zona da cidade, também sabe de obras. “Parece o cenário apocalíptico do Mad Max”, ironiza. “Não se percebe quais são os benefícios para os lisboetas de uma 24 de Julho tipo La Rambla [avenida de Barcelona popular entre turistas]”, nota, sentada numa esplanada do Largo de São Paulo, enquanto embala o neto no carrinho.
Desde que as obras da chamada Frente Ribeirinha começaram, no último trimestre de 2015, Isabel não para de receber queixas de outros moradores. Ficou famoso o vídeo no Facebook da associação, feito por um morador da Rua Bernardino Costa, às quatro da manhã, quando se realizava uma fresagem [remoção do alcatrão com uma máquina]. “A vida tornou-se infernal. Esta semana, para ir e vir buscar a minha neta à Rua Castilho, demorei uma hora e meia de carro...”, conta a presidente da associação.
Isabel Sá da Bandeira desistiu de passear com o neto junto ao rio. “Não há uma árvore nem um banco. O passeio está todo destruído.” Quando tentou fazer o percurso no sentido inverso, com o Terreiro do Paço como destino, também sucumbiu. “Fiquei enjoada por causa da poluição. O trânsito está todo parado entre a Praça do Comércio e Santos”, nota. “A Câmara – posso dizer isto sem qualquer dúvida – ignora por completo os moradores. Está mais interessada no turismo e na diversão noturna”, sentencia.
As palavras de Isabel podiam ter saído da boca do ex-vereador Nunes da Silva. “Temos uma cidade dos bairros sociais e uma cidade da especulação imobiliária, a cidade do [vereador] Manuel Salgado. Estas obras são isso: estão a ser feitas nos locais onde passam os turistas, estão a ser feitas para a fotografia, para as revistas da especialidade. Havia alternativas, havia opções.” Quais? Para o professor catedrático especialista em transportes, as intervenções deviam ter incidido primeiro nas vias que atravessam a cidade no sentido nascente-poente. “Como se mexeu em eixos tão importantes sem salvaguardar a circulação nas transversais?”, pergunta.
A VISÃO realizou um teste na Praça do Cais do Sodré. O carro, entre o Largo de Santos e o Corpo Santo, em hora de ponta, demorou 10 minutos para percorrer 1,4 quilómetros. Também ouvimos vários automobilistas que usam o Eixo Central e as vias da Frente Ribeirinha. Todos são unânimes em considerar um caos a situação que se vive. Segundo um testemunho, a travessia da Praça Dom Luís I (Mercado da Ribeira] e o Campo das Cebolas, em hora de ponta do final do dia, já demorou 40 minutos – uma média de 2,25 quilómetros por hora, inferior à do burro que António Costa levou para a Calçada de Carriche, em 1993. Na altura, o animal competiu com um Ferrari, para o candidato à Câmara de Loures ilustrar o caos numa das vias mais engarrafadas de acesso à capital. O burro ganhou a corrida. António Costa perdeu a eleição.
VEJA O TESTE DA VISÃO NA ZONA RIBEIRINHA DE LISBOA:
APOIO JURÍDICO PARA MORADORES DAS AVENIDAS NOVAS
Avenida da República, 8:30 horas da manhã, sexta-feira. Os poucos lugares de estacionamento situados na zona poente da avenida vão-se enchendo ao ritmo a que se intensifica o trânsito. Na lateral, na via de acesso às transversais, o trânsito flui como uma pastilha elástica colada à sola do sapato: não se solta.
O panorama não é diferente do da Frente Ribeirinha, apenas o cenário muda. Em vez do casario histórico das colinas, aqui são os prédios Arte Nova (os que restam) e os de escritórios que estão rodeados de picaretas, escavadoras e martelos pneumáticos. Na parte nascente, entre os cruzamentos com as avenidas Visconde Valmor e Miguel Bombarda, os passeios estão destruídos, interditos a deficientes e pessoas com mobilidade reduzida. Na estreita faixa para a passagem de peões, junto ao Clube de Empresários, a um quarteirão de distância, circulam camiões das obras, obrigando os transeuntes a tomar a faixa de rodagem para ultrapassar o obstáculo. No Campo Pequeno, o semáforo para os peões não funciona: é preciso tentar a sorte e pôr o pé à avenida.
José Soares acompanha as obras mesmo antes de elas terem começado. Como presidente da Associação de Moradores das Avenidas Novas de Lisboa, tomou conhecimento do projeto no final de 2014, quando a Câmara anunciou intervenções nas Picoas e no Saldanha, no âmbito do programa Uma Praça em cada Bairro. “Estávamos tranquilos com esse programa. Depois, fomos ouvindo uns zunzuns de que haveria também obras na Avenida da República”, conta o militante do CDS-PP, que desde 2011 preside à associação.
Numa reunião com a Câmara Municipal anterior ao início das obras, os moradores apresentaram várias críticas ao projeto. Foi a partir daí que o executivo municipal, alega José Soares, deixou cair a ideia de construir duas ciclovias (agora haverá apenas uma, a poente) e recuou na eliminação de alguns lugares de estacionamento, embora desapareçam 104 dos 600 que existiam. A estas críticas, Nunes da Silva junta a de que as obras vão acabar com algumas travessias de peões na Fontes Pereira de Melo e que o corredor BUS, embora se mantenha, será menos eficaz por causa das viragens à direita, que passarão a ser permitidas.
“E para quê colocar uma pista ciclável na Fontes Pereira de Melo? No plano de vias cicláveis, havia uma proposta para a colocar no corredor BUS, como acontece em Paris”, lembra o ex-vereador. “Não era preciso mais nada. A via exclusiva para ciclistas era feita na Duque de Loulé, porque tem um declive menor. Acho que nada disto se discute porque o objetivo é colocar, nas áreas mais visíveis da cidade, tudo e mais alguma coisa. Não é resolver o problema mas sim criar uma imagem.”
Embora as queixas de moradores tenham redobrado com o início das obras, José Soares reconhece que os responsáveis têm resolvido a maior parte dos problemas apontados. “Mas não estamos aqui para que nos passem a mão pelo pelo. Vamos ultimar um serviço jurídico para os residentes que se considerem prejudicados e queiram processar a Câmara Municipal”, revela.
VEJA O TESTE DA VISÃO NO EIXO CENTRAL DE LISBOA:
PARA AS CADEIRAS DE RODAS SERÁ MELHOR
Uma das consequências de obras intensas na via pública é o aumento da poluição atmosférica. Francisco Ferreira, professor da Universidade Nova de Lisboa e presidente da Associação ambientalista Zero, analisou os dados de poluição atmosférica, a pedido da VISÃO, na cidade de Lisboa.
Apenas com estações de medição da qualidade do ar na Avenida da Liberdade e em Entrecampos (extremidades do Eixo Central), o efeito das obras no Saldanha não é diretamente detetável. Apesar da informação parcelar, Francisco Ferreira nota que as concentrações de dióxido de azoto se mantêm altas, na Avenida da Liberdade, por mais uma hora durante a manhã. As concentrações deste poluente, responsável pelas famosas chuvas ácidas, aumentou ainda no Campo Grande, às 15 horas, e de novo na Avenida da Liberdade, por volta das 19 horas.
Também a quantidade de partículas em suspensão o outro indicador de poluição, são mais altas, pela manhã, enquanto à tarde (16-18 horas), a estação do Campo Grande deteta concentrações significativas (mais sete microgramas por metro cúbico face ao ano passado).
“Daqui pode extrair-se que há algum agravamento, mais marcado em Entrecampos, em relação aos dois poluentes. Espera-se que depois das obras, com o previsto decréscimo de tráfego, os valores diminuam, inclusive em relação a 2015”, nota o ambientalista.
Apesar da poeira no ar, Madalena e Carina Brandão, gémeas, ambas a concluir mestrados na área da Psicologia, são indefetíveis das obras que decorrem a metros da sua casa. Moram no Campo Pequeno, a porta de sua casa está atulhada de máquinas e materiais de construção, mas as utilizadoras de cadeiras de rodas defendem com unhas e dentes as alterações em curso. “As obras vão permitir uma maior mobilidade para as pessoas com deficiência”, vaticina Carina. “Causam transtorno mas vamos beneficiar, porque o pavimento é melhor e haverá rampas nas passadeiras”, sintetiza Madalena.
É verdade que para chegarem ao carro adaptado à sua situação e para elevarem a cadeira de rodas até ao tejadilho têm de conduzir a cadeira de rodas pelo arruamento onde circulam automóveis. Mas, como nota Carina, “antes das obras já era assim”. Só estiveram alguns dias sem acesso, por causa de trabalhos que as impediam de chegar às viaturas, mas há três dias, depois de falarem com o polícia municipal que controla os acessos no local, o pavimento foi reposto. “Estou orgulhosa de a minha cidade estar a evoluir”, afirma Madalena.
São 18 horas. Avenida da República, junto à estação de caminhos de ferro de Entrecampos. Mais uma máquina a caminho da obra. Mais um peão que lhe dá passagem e salta para a rodovia. Baratas tontas? As obras continuam, as eleições são para o ano.
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