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Balada da Praia dos Cães.
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Acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 1962
Acordam em conferência, nesta Secção Criminal:
Mediante acusação do magistrado do Ministério Público foram julgados na comarca de Sintra:
João-Jacques Marques Valente, casado, médico, nascido na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, desta cidade e actualmente em regime de detenção;
António Marques Gil, solteiro, de 28 anos de idade, tendo servido no Exército Português como primeiro cabo, nascido na freguesia do Couço, Comarca de Coruche, actualmente em regime de detenção;
Maria José Maldonado Sequeira, separada judicialmente, doméstica, nascida em Dili, da província de Timor, moradora na Avenida Gago Coutinho, n.º 318, desta cidade;
Adélia de Jesus Maldonado Sequeira que também usa o nome de Adélia de Maldonado Sequeira, viúva, doméstica, nascida em Travancas, da comarca de Chaves, moradora na Avenida Gago Coutinho, n.º 318, desta cidade.
Renée Marie Rune Marques Valente, viúva, doméstica, nascida em Mesmil - Le Roi – França, moradora na Rua Almeida Brandão, n.º 20, desta cidade, sendo condenados:
Os dois primeiros réus como autores materiais do crime de homicídio voluntário previsto no art.º 349.º do Código Penal e da contravenção do disposto nos art.ºs 41.º e 66.º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 37 319, e 241.º do Código do Registo Civil, respectivamente nas penas de 19 anos de prisão maior e nas multas de 300$00, 400$00 e 100$00 e 18 anos de prisão maior e nas multas de 300$00, 400$00 e 100$00, bem como, mas em responsabilidade solidária, na indemnização de 100 000$00 a favor do representante da vítima; Maria José Maldonado Sequeira, como autora dos crimes previstos nos art.ºs. 389.º e 349.º com referência aos n.ºs. 1.º e 2.º do art.º 23.º e n.º 1.º do art.º 106.º, todos do Código Penal e da contravenção do disposto no art.º 241.º do Código do Registo Civil, na pena de 18 meses de prisão e na multa de 100$00;
Adélia de Jesus Maldonado Sequeira, como encobridora do crime previsto no art.º 349.º com referência aos n.ºs 1.º e 2.º do art.º 23.º e n.º 1.º do art.º 106.º todos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, substituída por multa à razão de 40$00 por dia;
Renée Marie Marques Valente, como autora do crime previsto no art.º 389.º do Código Penal e da contravenção do disposto no art.º 241.º do Código do Registo Civil, na pena de três meses de prisão, substituídos por multa à razão de 50$00 por dia e na multa de 100$00, pena esta que foi declarada suspensa, pelo prazo de dois anos; sendo ainda estas três rés condenadas, em responsabilidade solidária, na indemnização de 3000$00 a favor do representante da vítima.
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José Cardoso Pires
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Porquanto:
Tendo a vítima José Joaquim de Almeida Santos, casado, então oficial do Exército, acompanhado do réu João Jacques Marques Valente, evadido em 30 de Novembro de 1959, do Forte da Graça, em Elvas onde se encontravam detidos, o que conseguiram em consequência do auxílio ou colaboração que então lhes foi prestada pelo réu António Marques Gil, que naquele dia se encontrava de serviço no mesmo Forte, entraram os três em regime de clandestinidade e, mudando de residência com certa frequência, conseguiram, por intermédio das rés Maria José e sua mãe Adélia Maldonado, instalarem-se em Rio de Mouro da comarca de Sintra, numa vivenda denominada «Pino Verde», onde o capitão Almeida Santos, acompanhado da sua amante a ré Maria José Maldonado, passou a viver desde 25 de Fevereiro de 1960, enquanto os réus João Jacques e António Gil só para ali foram na noite de 13 para 14 do mês de Março do mesmo ano;
No dia 16 do referido mês de Março, seriam 20 horas, depois de prévia combinação entre os dois primeiros réus e aproveitando a ocasião em que o Capitão Almeida Santos, sentado num sofá da sala de estar daquela vivenda, lia uma carta que tinha recebido, o réu António Gil, usando da pistola de 6,35 milímetros de que se munira, de surpresa, à queima roupa e na intenção de lhe causar a morte, disparou sobre aquele Almeida Santos, um tiro cuja bala se foi localizar na região orbitária esquerda;
Em acto contínuo o réu João Jacques puxando do seu revólver de 7,65 milímetros, apontou-o contra o mesmo Almeida Santos, a curta distância deste e também na intenção de concorrer para a morte do mesmo, não se tendo disparado esta arma contra a vontade deste réu;
Então o réu António Gil disparou o segundo tiro contra a vítima quando esta já se encontrava prostrada de bruços sobre o soalho atingindo-a na face posterior do braço esquerdo, próximo do cotovelo;
Este gesto do António Gil foi seguido de um outro por parte do réu João Jacques que pegando na pá do fogão de sala, com a mesma agrediu violentamente o Almeida Santos, dando-lhe várias pancadas na nuca e servindo-se da pistola que lhe foi entregue por o António Gil, voluntariamente disparou a mesma contra a sua vítima, atingindo-a na parte média da região parietal;
Verificado por João Jacques que o Almeida Santos ainda não tinha sucumbido a estas agressões, o réu António Gil, na intenção de lhe consumar rapidamente a morte, disparou novamente a pistola contra o coração do mesmo;
Dos tiros disparados resultaram lesões que foram a causa necessária da morte do referido Capitão Almeida Santos.
As rés Maria José e Adélia Sequeira ao ouvirem os primeiros tiros fugiram de casa para o quintal da vivenda, aonde o António Gil, na intenção de lhe consumar rapidamente a morte, disparou novamente a pistola contra o coração do mesmo;
Dos tiros disparados resultaram lesões que foram a causa necessária da morte do referido Capitão Santos.
As rés Maria José e Adélia Sequeira ao ouvirem os primeiros tiros fugiram de casa para o quintal da vivenda, aonde o António Gil as foi buscar para casa, presenciando então a Maria José que o Almeida Santos ainda se encontrava com vida, o que levou o João Jacques a verificá-lo e o António Gil a disparar a sua pistola por forma a atingi-lo no coração, como já ficou referida.
Em acto seguido à morte do Capitão Almeida Santos os réus João Jacques e António Gil, calçando luvas para obstarem à existência de impressões digitais, utilizaram um pano e um cobertor felpudo que lhes foram fornecidos pelas rés Maria José e Adélia e com eles procuraram vedar o sangue e envolver o cadáver;
Assim como auxiliados pelas mesmas rés rasparam e lavaram as manchas de sangue existentes no sobrado da sala de estar, agindo assim na intenção de fazerem desaparecer os vestígios do crime;
Consumado este e para efeito do desaparecimento do cadáver, o João Jacques, por intermédio da ré Maria José Maldonado, pôs-se em comunicação telefónica com sua mãe a ré Renée Marie, a quem pediu para se deslocar, a Rio de .Mouro, levando o automóvel da casa e para se fazer acompanhar do amigo particular dele João Jacques, de nome Fernando Augusto Albuquerque Mourão, então aspirante a oficial do Exército.
A mãe do réu João Jacques não se fez demorar, dirigindo-se no seu automóvel o Wolkswagen com a matrícula n.º ZE-24-06 e acompanhada do Fernando Augusto Albuquerque Mourão, a Rio de Mouro, onde só então teve conhecimento do executado crime.
A solicitação do seu filho a ré Renée Marie cedeu o mencionado automóvel para efeito de fazerem desaparecer o cadáver, e colocando este no mesmo automóvel, os dois primeiros réus, acompanhados de Fernando Mourão e de Maria José Maldonado, dirigiram-se para a praia do Guincho, sendo o veículo conduzido por esta ré, e a1i os dois primeiros réus, auxiliados pelo Fernando Mourão, tiraram o cadáver do carro e conduziram-no para as dunas onde o enterraram numa cova com a profundidade de sessenta centímetros que os dois primeiros réus abriram.
Finalmente as rés Maria José e a sua mãe Adélia com a colaboração do réu João Jacques Valente e na intenção de fazerem desaparecer tudo que pudesse denunciar a presença do Almeida Santos, queimaram e ocultaram todos os documentos e medalhas a estes pertencentes.
Inconformados com esta condenação da mesma interpuseram recurso as rés Maria José Maldonado Sequeira, e Renée Marie Rune Marques Valente e o réu João Jacques Valente.
Do mesmo acórdão também interpôs recurso o magistrado do Ministério Público.
O Tribunal da Relação, negando provimento aos recursos interpostos pelos réus, deu, em parte, provimento ao do magistrado do Ministério Público, agravando as penas aplicadas aos réus João Jacques e António Gil respectivamente para 21 e 20 anos de prisão maior, considerando os mesmos réus delinquentes por tendência.
Com o assim decidido não se conformaram o excelentíssimo Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Lisboa, nem os réus João Jacques Marques Valente, António Marques Gil e Maria José Maldonado Sequeira, que na conclusão das respectivas alegações salientam:
O excelentíssimo Procurador da República:
O douto acórdão recorrido violou os art.ºs 22º e 349.º do Código Penal quanto à ré Maria José;
Os factos levados à acusação definitiva servem a incriminação da ré Maria José pela cumplicidade do crime de homicídio;
O Tribunal da Relação não foi tão categórico como convinha quanto à intenção que a Maria José teve de consumar a morte do Capitão Almeida Santos, podendo bem aceitar-se que essa intenção deriva dos factos dados como provados;
Reconhece contudo como duvidosa a declaração da perigosidade dos réus João Jacques e António Gil, mas a manter-se, as penas aplicadas, devem movimentar-se dentro do escalão de 20 a 25 anos de prisão maior;
O douto acórdão recorrido violou ainda o disposto nos art.ºs 39º e 84.º e seguintes quanto aos réus João Jacques e António Gil.
A ré Maria José Maldonado:
Insiste que a sua condenação não pode ultrapassar a cumplicidade quanto ao crime de ocultação do cadáver, mas quando assim se não entenda as circunstâncias dadas como provadas aconselham a redução do tempo de prisão, bem como, a substituição desta por multa.
O réu João Jacques Marques Valente:
Fazendo sobressair o seu comportamento anterior que o Tribunal Colectivo aceitou como bom, não pode o mesmo ser esquecido para o efeito da sua classificação como delinquente por tendência e que assim o acórdão recorrido violou o disposto no § 2º do artº 67.º do Código Penal.
O réu António Marques Gil:
As circunstâncias em que actuou permitiram-lhe invocar, sem êxito, a legítima defesa alheia e as atenuantes especiais dos art.ºs 370.º e 378.º do Código Penal ; não sendo ouvido o seu arrependimento;
O seu comportamento quer militar quer civil foi bom, senão, quanto ao primeiro, exemplar;
O seu comportamento contemporâneo ao crime é de considerar de absoluta correcção em relação aos restantes co-réus, e em relação à vítima procurou evitar o crime, exprimindo a ideia de fugir;
E posteriormente ao crime confessou os factos;
E assim e nada revelou perversão ou malvadez que o faça considerar perigoso.
O excelentíssimo Ajudante do Procurador-Geral da República no seu parecer de fls. 1315 v.º, põe em dúvida a pretensão do excelentíssimo Procurador da República quanto à intervenção da ré Maria José Maldonado como cúmplice no crime de homicídio voluntário, mas manifesta a sua concordância com o pensamento do mesmo magistrado na parte em que o Tribunal da Relação considerou os dois primeiros réus como delinquentes por tendência, pronunciando-se no sentido de se tratar de matéria de facto tratar de matéria de facto que ao mesmo Tribunal não era dado alterar.
E neste pensamento admite o provimento dos recursos interpostos pelos dois primeiros réus, mas nega-o quanto ao interposto por Maria José Maldonado.
Tudo visto e conhecendo:
Quanto ao recurso interposto pelo excelentíssimo Procurador da República:
Pretende este magistrado que a ré Maria José Maldonado Sequeira seja condenada como cúmplice no crime de homicídio voluntário de que foi vítima o seu amante Capitão Almeida Santos.
Para êxito desta sua pretensão salienta:
O despacho de pronúncia contém os factos necessários para essa cumplicidade;
A ré Maria José testemunhando o atentado praticado pelos réus João Jacques e António Gil e descobrindo que o seu amante ainda estava com vida apressou-se a comunicá-lo àqueles.
Não merece contradição quanto à existência no despacho de pronúncia dos factos necessários à cumplicidade da ré Maria José, mas o mesmo não é de afirmar quanto aos actos praticados por esta.
O art.º 22.º do Código Penal, define:
No seu número primeiro, de cumplicidade moral «os que directamente aconselham ou instigam outro a ser agente do crime, não estando compreendido no art.º 20.º do mesmo Código;
No seu número segundo de «cumplicidade material » os que concorrem directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos que, sem esses concurso, pudesse ter sido cometido o crime.
Da análise destes preceitos legais surge a convicção que a cumplicidade moral resulta de factos puramente na vontade, do agente, enquanto a cumplicidade material se traduz em factos físicos, que manifestam da parte de quem os pratica a vontade de concorrer para o crime, como salientou Pereira do Vale nas anotações ao Código Penal.
Este jurisconsulto salientou ainda que a palavra «directamente» empregada no número primeiro daquele artigo, exige que o conselho ou a instigação seja determinado ou dado com consciência e eficaz ou melhor, que sirva a reforçar ou auxiliar a determinação da vontade criminosa do autor, não bastando para constituir cumplicidade um conselho vago, consistente em palavras simples e imprudentes.
Este pensamento caracteriza a cumplicidade pela prestação de auxílio ao crime por conselhos ou factos e localiza essa prestação em momento anterior à execução do mesmo.
A atitude assumida pela ré Maria José ao entrar na sala onde teve lugar o crime, pode traduzir-se num conselho ou instigação dado com consciência e tendente a reforçar ou auxiliar a determinação da vontade dos réus João Jacques e António Gil ?
É de precisar o facto dado como provado e respeitante à mencionada ré. Quesito 21.º, fls 1011: «Está provado que após o tiro disparado por João Jacques que atingiu a vítima na parte média da região que após o tiro disparado por João Jacques que atingiu a vítima na parte média da região parietal direita, e quando este réu, António Gil, as rés Maria José e Adélia se tinham reunido noutro compartimento da casa, a Maria José voltou à sala de estar e de seguida voltando para aquele compartimento informou os restantes de que o Almeida Santos não estava ainda bem morto.
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