domingo, dezembro 25, 2016

a Muralhar

A estatistica é como o Biquini :- o que mostra é sugestivo :- o que esconde é vital




aqui se falou – mal – do livro As Altas Montanhas de Portugal, do escritor Yann Martel (n. 1963), celebrizado mundialmente pelo romance A Vida de Pi, adaptado ao cinema. Em As Altas Montanhas de Portugal, traduzido por Isabel Nunes e Helena Sobral e publicado pela Editorial Presença, a acção decorre no nosso país e, por isso, seria injusto não apresentá-lo nesta série «Estrangeiros em Portugal». Os leitores julgarão.

Joshua Benoliel
Praça do Comércio, 1912

Oh, as altas colinas da Lapa! O automóvel – a tossir, a crepitar, a chocalhar, a retumbar, a sacudir-se, aos saltos, a soltar baforadas, a gemer e a rugir – arremessa-se pela Rua do Pau de Bandeira abaixo, o empedrado a fazer-se notado com uma chocalhada incessante e explosiva, e depois atira-se violentamente para a esquerda e parece despenhar-se de uma fraga tal é o grau de inclinação da Rua do Prior. As entranhas de Tomás parecem estar a ser espremidas através de um funil. O automóvel chega ao fim da rua e endireita-se, o que o atira para o chão da cabina. A máquina ainda mal estabilizou, tendo ele recuperado o assento, senão a compostura, antes de dar um salto e subir a última parte da Rua do Prior e entrar na Rua da Santa Trindade, que, por sua vez, desce a pique. O automóvel começa a dançar alegremente sobre as mandíbulas metálicas dos carris do eléctrico, fazendo-o deslizar de um lado para o outro do assento, ora esbarrando no tio, que não parece reparar, ora praticamente caindo do automóvel na outra ponta. Das varandas que passam rapidamente, vê pessoas que os olham com uma expressão carregada.

O tio vira à direita na Rua de São João da Mata com uma convicção feroz. Aceleram rua abaixo. O sol cega-o, mas o tio parece não ser afectado. O automóvel lança-se pela Rua de Santos-o-Velho e mergulha na curva da Calçada de Santos. Ao chegar ao Largo de Santos, olha saudosamente e com brevidade os trauseuntes que se comprazem com actividades lentas no seu agradável jardim. O tio contorna-o até que, com uma brusca viragem à direita, lança o automóvel para a larga Rua Vinte e Quatro de Julho. O marulhar das ondas do Tejo, de cortar a respiração, expande-se para a direita numa explosão de luz, mas Tomás não tem tempo de apreciar a vista, enquanto se projectam através da densidade urbana de Lisboa numa mancha indistinta de vento e ruído. Rodam com tanta velocidade em volta da agitada rotunda da Praça do Duque da Terceira que o veículo é projectado qual pedra de uma funda pela Rua do Arsenal. A azáfama da Praça do Comércio não constitui qualquer impedimento, apenas um desafio divertido. Tomás avista indistintamente a estátua do rei D. José I, no meio da praça. Oh, se ao menos o secretário de Estado do rei, o marquês de Pombal, soubesse os horrores a que seriam sujeitas as suas ruas, talvez não as tivesse reconstruído.


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