Nos fóruns radiofónicos desta manhã, o Presidente da República está a ser o bombo da festa por causa das suas declarações sobre as dívidas do primeiro ministro à Segurança Social e ao fisco. Não é caso para menos. Podia ter sido um deslize do Presidente, ou uma “infelicidade“, mas não foi porque as declarações que fez exprimem uma concepção da ética política, a todos os títulos preocupante.
Analisem-se essas declarações e o seu sub-texto:
“Tenho muita experiência para distinguir o que são jogadas partidárias e o que são outras matérias.” O Presidente está a dizer que a notícia do Público, o jornal que revelou as dívidas do primeiro-ministro, foi obra da oposição, o que significa, por um lado, que o assunto não tem qualquer importância e, por outro, que o jornal Público foi instrumentalizado e cúmplice de “jogadas partidárias”. É demasiado grave para ser dito pelo Presidente e o próprio jornal deveria reagir. Quanto à invocação da sua “experiência” para perceber essas “jogadas”, o Presidente está, implicitamente, a dizer que também as notícias sobre si próprio no caso BPN eram “jogadas partidárias” (e daí a sua “experiência” nestes casos).
“(…) comentar casos [como aquele que envolve o primeiro-ministro] é uma tarefa que cabe aos comentadores políticos. É esse o seu ofício, o seu modo de vida, comentar todo o tipo de polémicas politico-partidárias”. Com esta frase o Presidente diz, novamente, duas coisas: reafirma a desvalorização das dívidas do primeiro-ministro e ataca “os comentadores”, afirmando que têm como “modo de vida”, leia-se são pagos para discutirem, leia-se alimentarem, “jogadas partidárias”. O Presidente deixa em aberto a que comentadores se refere, se aos comentadores-jornalistas se aos comentadores-políticos. O Presidente sugere assim que os comentadores usam os espaços de que dispõem nos media para alimentarem as “jogadas partidárias” e fazem disso um “modo de vida”. Talvez tenha sido este sub-texto que levou os comentadores do seu partido a unanimemente criticarem as suas declarações.
“Concentrem o seu trabalho na resolução dos problemas do país, no combate ao desemprego, às situações de pobreza, à competitividade da economia”. Com este remate, o Presidente sugere que questões de natureza ética e moral dos governantes e dos candidatos a eleições devem ser ignoradas e o que interessa são as promessas eleitorais (que o Presidente sabe que raramente são cumpridas).
E assim o Presidente mostra que após dez anos no cargo não deixou de ser uma pessoa de vistas curtas e sem capacidade para olhar para o País e para o mundo a partir de um patamar superior.

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