Patricia de Melo MoreiraNuno Ramos de Almeida
Os trabalhadores do Porto de Lisboa acusam os patrões de cometerem um crime, punível por lei, ao criarem um sindicato-fantoche
Na passada sexta-feira reuniram--se em plenário os associados do Sindicato dos Trabalhadores dos Portos de Lisboa e Setúbal e decidiram extinguir o seu sindicato. Os trabalhadores estão descontentes com o sindicato que dizem ter sido uma criação patronal, por ter assinado, à sua revelia, um contrato coletivo de trabalho que lhes dava condições muito inferiores às dos outros estivadores e que serviria apenas para ajudar os patrões da Associação dos Operadores do Porto de Lisboa (AOPL) na sua guerra contra o sindicato maioritário no setor e no Porto de Lisboa, o Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal.
Num anterior plenário desse sindicato, realizado no dia 19 de janeiro, foi solicitado ao presidente do sindicato e ao presidente da assembleia-geral do mesmo que entregassem as suas cartas de demissão, coisa que veio a verificar-se. Os dois são acusados de terem assinado um contrato coletivo de trabalho sem consulta e conhecimento dos associados. A ata desse plenário afirma que “foi votado por unanimidade dos presentes a denúncia às autoridades competentes de eventuais e alegadas irregularidade cometidas pelos associados que assinaram o CCT”. Os associados presentes também votaram por unanimidade a convocação de uma assembleia geral extraordinária para se proceder à dissolução do STP, coisa que se verificou na sexta-feira, dia 19 de fevereiro.
O presidente da direção e o presidente da mesa da assembleia-geral do sindicato extinto, respetivamente António José dos Santos Machado e Filomeno Indei Barbosa, contestam as acusações dos colegas em comunicado: “Dizem-nos que nessa assembleia-geral não dissemos que o contrato que ia ser assinado era um contrato coletivo de trabalho. Para nós, isso era tão evidente que é possível que não tenhamos colocado especial ênfase na questão.” Os dois defendem que é atribuição exclusiva da direção negociar e assinar esses contratos. Os dois ex-dirigentes sindicais dizem-se alvo de pressões e agressões: “As reações à notícia da assinatura do contrato suscitaram, designadamente, as criminosas agressões físicas e materiais a membros dos corpos gerentes do STP, feitas por quem certamente desconhecia o teor do contrato, e demonstram que o que estava em causa não era o conteúdo do contrato, mas o facto de o STP ter assinado um documento”, garantem.
Por sua vez, o sindicato maioritário no Porto de Lisboa acusa os patrões de estarem por detrás da criação do STP, que serviria, juntamente com a empresa Porlis, “para acabar com as greves dos estivadores”.
Em carta ao ministro do Trabalho e Segurança Social, o Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal queixa--se de que o STP “não funciona enquanto tal, tendo a sua constituição formal apenas sido possível por via de um apoio patronal, apoio esse que, porventura, se terá consubstanciado em apoio financeiro, nomeadamente através do pagamento de todas as despesas inerentes à constituição e financiamento do dito sindicato”.
Os sindicalistas garantem que vão fazer uma queixa à justiça porque a matéria implica o cometimento de um crime: os patrões não podem formar sindicatos. Foi enviada uma queixa ao Ministério Público.
Consultada a advogada Lúcia Gomes, especialista em direito do trabalho e sindical, a comprovar-se a razão da queixa estaríamos perante um ilícito criminal.
“Face à situação colocada, poder--se-á considerar que, a verificarem-se os factos, estes subsumem-se ao crime por violação da autonomia ou independência sindical, ou por ato discriminatório, previsto e punido pelos artigos 405.o, 406.o e 407.o do Código do Trabalho.
De facto, estão vedados às entidades patronais acordos ou outros atos que visem subordinar o emprego do trabalhador à condição de este se filiar ou não se filiar numa associação sindical ou de se retirar daquela em que esteja inscrito, e ainda de despedir, transferir ou, por qualquer modo, prejudicar o trabalhador devido ao exercício dos direitos relativos à participação em estruturas de representação coletiva ou à sua filiação ou não filiação sindical.
A entidade que pratique estes actos é punida com pena de multa até 120 dias e o administrador, diretor, gerente ou outro trabalhador que ocupe lugar de chefia que seja responsável por tais actos é punido com pena de prisão até um ano.
Perdem ainda direitos específicos relativos às questões sindicais os dirigentes ou delegados sindicais que sejam condenados.
Poderá ainda, por cúmulo jurídico, o indivíduo que pressione os trabalhadores a sindicalizarem-se num determinado sindicato ou a praticar determinados actos, ser condenado pelo crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.o do Código Penal, uma vez que tal ameaça, se colocar em causa, por exemplo, o vínculo de emprego e, logo, a subsistência do trabalhador, constrangendo-o a praticar tais actos, pode ser punida com pena de prisão até três anos ou pena de multa.
Poderão existir também situações em que, não se consumando os actos (designadamente a filiação em determinado sindicato), exista o crime de ameaça, crime este punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias”, declarou em depoimento escrito.
O antigo trabalhador da Porlis que esteve à frente da comissão instaladora do STP, Tiago Inácio, confirma que as más relações dos patrões com o sindicato maioritário no Porto de Lisboa estão na base da formação do sindicato agora dissolvido.
“Inicialmente fomos avisados, por uma diretora da Porlis, que qualquer sindicalização dava direito à não renovação do contrato e ao consequente despedimento”, garante.
“Posteriormente fui contactado pela direção da Porlis, porque tinha uma boa relação com todos os colegas, no sentido de que seria bom nós avançarmos com a criação de um novo sindicato e que a empresa apoiava essa criação”, recorda o antigo sindicalista. Atualmente, Tiago Inácio não trabalha no Porto de Lisboa e considera que foi despedido por não ter estado de acordo em que os patrões mandassem no sindicato.
O caso não é único. Já em 2012, o jornal “Público” divulgava uma reportagem, assinada pelo jornalista Paulo Moura, em que a certa altura, o presidente do Sindicato Século XXI, Joaquim Palhares, que organiza os trabalhadores que são empregados da PSA de Sines, confessava:
“Trabalhar aqui é visto como um privilégio e as pessoas vestem a camisola da empresa.” O sindicato não tem tradição. Foi criado pela própria PSA, e no início era, admite Joaquim, um sindicato-fantoche. “Agora ganhou alguma autonomia”.
Contactadas a Associação de Operadores do Porto de Lisboa e a PSA Sines, nenhuma das empresas respondeu às nossas perguntas.
Com Sofia Martins Santos
Num anterior plenário desse sindicato, realizado no dia 19 de janeiro, foi solicitado ao presidente do sindicato e ao presidente da assembleia-geral do mesmo que entregassem as suas cartas de demissão, coisa que veio a verificar-se. Os dois são acusados de terem assinado um contrato coletivo de trabalho sem consulta e conhecimento dos associados. A ata desse plenário afirma que “foi votado por unanimidade dos presentes a denúncia às autoridades competentes de eventuais e alegadas irregularidade cometidas pelos associados que assinaram o CCT”. Os associados presentes também votaram por unanimidade a convocação de uma assembleia geral extraordinária para se proceder à dissolução do STP, coisa que se verificou na sexta-feira, dia 19 de fevereiro.
O presidente da direção e o presidente da mesa da assembleia-geral do sindicato extinto, respetivamente António José dos Santos Machado e Filomeno Indei Barbosa, contestam as acusações dos colegas em comunicado: “Dizem-nos que nessa assembleia-geral não dissemos que o contrato que ia ser assinado era um contrato coletivo de trabalho. Para nós, isso era tão evidente que é possível que não tenhamos colocado especial ênfase na questão.” Os dois defendem que é atribuição exclusiva da direção negociar e assinar esses contratos. Os dois ex-dirigentes sindicais dizem-se alvo de pressões e agressões: “As reações à notícia da assinatura do contrato suscitaram, designadamente, as criminosas agressões físicas e materiais a membros dos corpos gerentes do STP, feitas por quem certamente desconhecia o teor do contrato, e demonstram que o que estava em causa não era o conteúdo do contrato, mas o facto de o STP ter assinado um documento”, garantem.
Por sua vez, o sindicato maioritário no Porto de Lisboa acusa os patrões de estarem por detrás da criação do STP, que serviria, juntamente com a empresa Porlis, “para acabar com as greves dos estivadores”.
Em carta ao ministro do Trabalho e Segurança Social, o Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal queixa--se de que o STP “não funciona enquanto tal, tendo a sua constituição formal apenas sido possível por via de um apoio patronal, apoio esse que, porventura, se terá consubstanciado em apoio financeiro, nomeadamente através do pagamento de todas as despesas inerentes à constituição e financiamento do dito sindicato”.
Os sindicalistas garantem que vão fazer uma queixa à justiça porque a matéria implica o cometimento de um crime: os patrões não podem formar sindicatos. Foi enviada uma queixa ao Ministério Público.
Consultada a advogada Lúcia Gomes, especialista em direito do trabalho e sindical, a comprovar-se a razão da queixa estaríamos perante um ilícito criminal.
“Face à situação colocada, poder--se-á considerar que, a verificarem-se os factos, estes subsumem-se ao crime por violação da autonomia ou independência sindical, ou por ato discriminatório, previsto e punido pelos artigos 405.o, 406.o e 407.o do Código do Trabalho.
De facto, estão vedados às entidades patronais acordos ou outros atos que visem subordinar o emprego do trabalhador à condição de este se filiar ou não se filiar numa associação sindical ou de se retirar daquela em que esteja inscrito, e ainda de despedir, transferir ou, por qualquer modo, prejudicar o trabalhador devido ao exercício dos direitos relativos à participação em estruturas de representação coletiva ou à sua filiação ou não filiação sindical.
A entidade que pratique estes actos é punida com pena de multa até 120 dias e o administrador, diretor, gerente ou outro trabalhador que ocupe lugar de chefia que seja responsável por tais actos é punido com pena de prisão até um ano.
Perdem ainda direitos específicos relativos às questões sindicais os dirigentes ou delegados sindicais que sejam condenados.
Poderá ainda, por cúmulo jurídico, o indivíduo que pressione os trabalhadores a sindicalizarem-se num determinado sindicato ou a praticar determinados actos, ser condenado pelo crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154.o do Código Penal, uma vez que tal ameaça, se colocar em causa, por exemplo, o vínculo de emprego e, logo, a subsistência do trabalhador, constrangendo-o a praticar tais actos, pode ser punida com pena de prisão até três anos ou pena de multa.
Poderão existir também situações em que, não se consumando os actos (designadamente a filiação em determinado sindicato), exista o crime de ameaça, crime este punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias”, declarou em depoimento escrito.
O antigo trabalhador da Porlis que esteve à frente da comissão instaladora do STP, Tiago Inácio, confirma que as más relações dos patrões com o sindicato maioritário no Porto de Lisboa estão na base da formação do sindicato agora dissolvido.
“Inicialmente fomos avisados, por uma diretora da Porlis, que qualquer sindicalização dava direito à não renovação do contrato e ao consequente despedimento”, garante.
“Posteriormente fui contactado pela direção da Porlis, porque tinha uma boa relação com todos os colegas, no sentido de que seria bom nós avançarmos com a criação de um novo sindicato e que a empresa apoiava essa criação”, recorda o antigo sindicalista. Atualmente, Tiago Inácio não trabalha no Porto de Lisboa e considera que foi despedido por não ter estado de acordo em que os patrões mandassem no sindicato.
O caso não é único. Já em 2012, o jornal “Público” divulgava uma reportagem, assinada pelo jornalista Paulo Moura, em que a certa altura, o presidente do Sindicato Século XXI, Joaquim Palhares, que organiza os trabalhadores que são empregados da PSA de Sines, confessava:
“Trabalhar aqui é visto como um privilégio e as pessoas vestem a camisola da empresa.” O sindicato não tem tradição. Foi criado pela própria PSA, e no início era, admite Joaquim, um sindicato-fantoche. “Agora ganhou alguma autonomia”.
Contactadas a Associação de Operadores do Porto de Lisboa e a PSA Sines, nenhuma das empresas respondeu às nossas perguntas.
Com Sofia Martins Santos
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