O antigo primeiro-ministro aproveitou a ida às urnas para voltar a atacar o presidente da República
Depois de depositar o seu voto na urna, pouco antes das 12h30, em Lisboa, José Sócrates voltou a criticar Cavaco Silva.
"Venho exercer o direito de voto com a legítima expetativa de que esta eleição traga algo fundamental, a imparcialidade, que tem faltado nos últimos anos ao nosso país, um presidente que possa ser um árbitro do sistema", afirmou o antigo primeiro-ministro.
"Espero que as pessoas venham votar, porque esta eleição vai dizer qual o próximo presidente e o que as pessoas pensam desta campanha", acrescentou, repetindo que espera que eleição "devolva a característica mais importante de um presidente, a sua imparcialidade".
O antigo primeiro-ministro não especificou qual candidato poderia ter essa característica. "Não seria correto dizer em quem votei ou qual seria mais adequado, mas teremos tempo para falar sobre isso, daqui a uns dias talvez possa dizer".
Nos últimos anos, as críticas de José Sócrates a Cavaco Silva têm sido uma constante.
Ex-líder do PS anuncia, um ano depois de ter sido preso, que vai voltar a falar de política em geral - e não só do seu processo. Ontem o alvo foi o PR: só quer "desacreditar" o PS
"Se o objetivo de alguns foi calar-me, ficam agora a saber que a minha voz está de volta ao debate público."
José Sócrates aproveitou ontem um almoço em Lisboa com cerca de 400 amigos - entre os quais Mário Soares - para confirmar o que já há muito se suspeitava: não quer usar a sua voz só para se defender no processo em que é arguido, quer também usá-la como protagonista político. E contra o inimigo que não esquecerá nunca, Cavaco Silva, Presidente da República.
Sócrates desacreditou, por exemplo, a autenticidade de Cavaco Silva ao querer ouvir agora inúmeras entidades e personalidades sobre o que fazer perante a demissão do atual governo decretada pela maioria de esquerda na Assembleia da República - e que implicou a demissão do executivo.
"A intenção do senhor Presidente da República com esta demora, com estas audições, não é outra que não seja tentar desacreditar e enfraquecer a solução política de governo que é a única solução política de que o país dispõe", afirmou. E apenas chama as pessoas a Belém para "que falem nas televisões dizendo aquilo que ele quer que digam", o que incluiu a Associação das Empresas Familiares, "cujo presidente tem muito mais ar de agitador político do que propriamente de um representante corporativo que representa interesses legítimos".
Assim, "no fundo, o que o senhor Presidente da República quer fazer e está a fazer é sublinhar a anormalidade desta solução política, mostrar que ela é muito anormal, que ela é muito estranha, para com isso construir as bases da campanha eleitoral que a direita vai fazer, ou melhor, as bases da campanha eleitoral que a direita um dia fará contra o futuro governo que ainda não o é." E se quisesse na verdade ser "seriamente aconselhado, convocava um Conselho de Estado" - o que não fez, pelo menos até agora. Enfim: a Cavaco "deu-lhe tanto trabalho pôr lá a direita em 2011 que agora lhe está a custar tirá-la".
Sócrates referiu também o facto de a direita estar a tratar como "golpe" o governo que o PS pretende liderar com o apoio da maioria de esquerda no Parlamento. E voltou outra vez à sua "narrativa" do que se passou em 2011, quando a direita, "aliada à extrema-esquerda" chumbou o PEC IV, levando-o a demitir-se de primeiro-ministro, algo que depois provocaria eleições legislativas antecipadas (das quais resultaram a maioria PSD-CDS que governou nos últimos quatro anos e que agora está em gestão). "Golpe deram eles em 2011!", exclamou. E o que estava em causa nessa altura era um acordo feito entre o governo português e as principais instituições europeias (Conselho, Comissão e BCE) que evitaria a intervenção da troika.
O ex-líder socialista recordou ainda ter ouvido a direita dizer em 2011, "muito injustamente", que a primeira década do século XXI fora em Portugal uma "década perdida". Assim, "talvez seja altura de dizer a essa direita que verdadeiramente o que nós tivemos foi uma década perdida para a Presidência da República". "Essa foi - acrescentou - a instituição que mais faltou ao país, a instituição de que o país precisa e que faltou, que faltou nos momentos críticos, nos momentos-chave e está a faltar, porque um Presidente quando se comporta com base no ressentimento, isso leva sempre ao seu isolamento." Conclusão: "Nunca vi um Presidente terminar tão só."
Sócrates falou de política - mas só na segunda parte da intervenção, feita antes de se iniciar o almoço. A primeira metade do discurso foi sobre o processo em que é arguido, a Operação Marquês - pela qual foi preso, há precisamente um ano (e o almoço foi convocado de certa forma para assinalar essa data).
Sócrates falou de um documento no inquérito - que salientou já ter sido noticiado, não estando, portanto, ele a violar o segredo de justiça - em que um responsável fiscal do inquérito diz que as fugas de informações só poderiam ter três origens: ele próprio, o procurador do MP titular do processo (Rosário Teixeira) ou o juiz de instrução (Carlos Alexandre). Daqui concluiu ser estranho que entretanto não haja "um inquérito ao inquérito". "E afinal de contas quem andava a perturbar o inquérito?", perguntou ainda, recordando que este foi um dos motivos invocados para lhe decretar a prisão preventiva.
Perante uma plateia que foi gritando, alternadamente, palavras de ordem como "Soares é fixe!", "Sócrates, Sócrates!" ou até "fascismo nunca mais!", o ex-líder socialista mostrou-se particularmente revoltado com o facto de ao fim de um ano o inquérito não estar concluído. "Não é normal", disse, sublinhando pelo meio que o "desprestígio" da Justiça atinge a imagem internacional do país.
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