quarta-feira, março 09, 2016

Parecer pedido por Sócrates nega favorecimento a Vale do Lobo

Análise da investigação da Operação Marquês ao ponto 6 do Plano Regional de Ordenamento em causa. Professora da Universidade de Coimbra diz que não há relação "aprovação-benefício"
Um parecer jurídico entregue pela defesa de José Sócrates no processo Operação Marquês afasta qualquer tipo de relação "aprovação-benefício" entre o Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL) e o empreendimento de Vale do Lobo, uma situação que está sob suspeita de corrupção. Assinado pela professora Fernanda Paula Oliveira, da Universidade de Coimbra, o documento é taxativo ao afirmar que tal plano "não continha disposições que pudessem beneficiar projetos privados, ainda que por via indireta".
Desde que a questão de Vale do Lobo foi levantada no processo (levando até à constituição como arguidos, além de Sócrates, de Diogo Gaspar Ferreira, administrador de Vale do Lobo, e de Armando Vara, antigo gestor da Caixa Geral de Depósitos, que financiou o projeto), a investigação tem sustentado a tese de que o PROTAL, aprovado por um governo de José Sócrates, em 2007, beneficiou o empreendimento privado. Como contrapartida, o empresário Hélder Bataglia, sócio do resort, transferiu 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva, dinheiro que, posteriormente, este teria posto à disposição do ex-primeiro-ministro, que está indiciado por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.
O procurador Rosário Teixeira tem entendido que, sobretudo, uma cláusula de exceção incorporada no PROTAL (no ponto 6) permitia a Vale do Lobo construir quando, de acordo com as regras então aprovadas, tal não seria possível. Esta posição é fortemente contestada pela professora de Coimbra, especialista em direito do ordenamento: "Não se pode afirmar que este empreendimento tenha sido beneficiado pelo ponto 6, pela simples razão de que este ponto não tem qualquer tipo de aplicação a este empreendimento, não tendo sido decido em relação a ele nada que não o teria sido, não fosse aquela cláusula."
Entretanto, a investigação deu mais um passo na análise do documento, acrescentando que a exceção prevista levou a que a obrigatória adaptação do PDM de Loulé ao PROTAL "pode salvaguardar a subsistência dos lotes já anteriormente aprovados, pese embora incluídos numa Zona de Protecção Terrestre onde, segundo o PROTAL, passaria a ser vedada qualquer nova construção". Contesta Fernanda Paula Oliveira: "É desprovida de sentido a ligação que é feita nesta afirmação entre o ponto 6 e o plano diretor municipal, já que o referido ponto 6 apenas é aplicável a planos de pormenor e planos de urbanização e não a planos diretores municipais". "Vale do Lobo não podia ter sido beneficiado pelo ponto 6 pela simples razão de que não se enquadra nos pressupostos de aplicação daquele ponto específico", conclui.
No parecer pedido pelos advogados de José Sócrates e entregue ao processo, a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra considera ainda que a cláusula de exceção contida no PROTAL não foi, à data, uma originalidade, já que noutros diplomas semelhantes existem as mesmas disposições de forma a assegurar a transição entre regimes jurídicos. E, no que diz respeito aos loteamentos, Fernanda Paula Oliveira diz que o empreendimento tem alvarás atribuídos desde 1967 até 1997, "muito antes da aprovação do PROTAL e da norma transitória". Se o Plano impedisse a construção neste, o Estado teria de indemnizar os promotores, refere.
Outra questão que, no futuro, irá levantar polémica no processo tem que ver com a classificação do ato de aprovação do PROTAL. Até agora, apesar de o plano não ter sido aprovado unicamente por Sócrates, mas sim pelo Conselho de Ministros, a investigação imputa-lhe um crime de corrupção para ato ilícito. Porém, tal como refere Fernanda Paula Oliveira, do ponto de vista administrativo não se descortina nenhuma ilegalidade nem "desvio de poder". Logo, em vez de ilícito, o ato será lícito, isto é, o governo da altura tinha toda a legitimidade jurídica para aprovar o plano. Neste caso, um eventual crime de corrupção poderá estar prescrito.

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